Siri, explique como você se tornou o maior fracasso embaraçoso da Apple
“Desculpe, não entendo”: a queda da assistente do iPhone de “de tirar o fôlego” para algo exasperante
Muitos adolescentes se recusam a responder perguntas, mas poucos provocam tanta frustração quanto a Siri, a assistente de voz de 13 anos da Apple. Em fóruns online, usuários reclamam que a assistente piorou com o tempo – “Parece até que ela está pior do que quando foi apresentada pela primeira vez” –, enquanto outros afirmam com veemência: “Eu realmente odeio a Siri com todas as minhas forças”. Instalado em mais de 2 bilhões de dispositivos Apple, o assistente virtual é uma das peças de software mais difundidas no mundo, mas para muitos ele se mostra mais irritante do que útil.

A Apple apresentou a Siri em outubro de 2011, mas o software teve apenas avanços incrementais desde então. Nos últimos tempos, o impasse em torno da Siri transbordou, transformando-se numa das maiores crises da empresa em anos. No início deste mês, a gigante tecnológica adiou, indefinidamente, uma reformulação há muito prometida – um reescrever da assistente que estava previsto para revolucionar sua performance. Segundo relatos internos, nove meses após a promessa das novas funcionalidades, os atrasos foram definidos pelos funcionários como “feios e embaraçosos”.
Esse revés resultou em uma decisão drástica: na semana passada, Tim Cook, o CEO da Apple, retirou John Giannandrea, chefe de inteligência artificial nascido na Escócia, do comando da Siri, após aparentemente ter perdido a confiança nele.
A nova corrida do ouro tecnológico
Demoras e bugs nunca são bem-vindos na Apple, que se orgulha da perfeita integração entre seus aparelhos e softwares. Entretanto, os escorregões públicos da empresa ocorrem justamente quando outras organizações – muitas delas inexistentes na época do lançamento da Siri – lançam chatbots de inteligência artificial altamente avançados.
Enquanto Silicon Valley aposta que sistemas como o ChatGPT estão à beira de atingir a “AGI” (inteligência artificial geral), ou seja, uma IA capaz de executar tarefas com competência equivalente à humana, é preocupante para a imagem da Apple que a Siri ainda tenha dificuldade até mesmo em configurar um simples cronômetro. Interagir com o bot está longe de se comparar à experiência de conversar com Samantha, a sofisticada assistente de IA do filme Her, dublada por Scarlett Johansson.

Usuários reclamam que a assistente frequentemente não entende comandos simples – desde configurar alarmes até tocar músicas. Em uma troca que viralizou, ao perguntar “Que mês é este?”, as respostas variaram entre “Desculpe, não entendo” e “Estamos em 2025”. Dipanjan Chatterjee, analista da Forrester, comenta: “A Siri tem sido o fardo da Apple há bastante tempo. Sempre prometeu muito e entregou tão pouco. Quando ela competia com a Alexa e o Hey Google, seus deslizes eram mais aceitáveis. Contudo, os novos chatbots alimentados por IA demonstraram como uma interação por voz pode ser excelente – e agora não há mais como a Siri se esconder.”
Embora as dificuldades da assistente dificilmente afetem as vendas do iPhone – produto mais importante e fonte-chave de receita da Apple –, investidores temem que o fiasco evidencie o atraso da empresa na área de inteligência artificial, atualmente considerada a próxima grande corrida do ouro tecnológico. As ações da Apple caíram 9% neste ano, um recuo superior ao de 5,5% registrado pelo índice Nasdaq, fortemente vinculado ao setor de tecnologia.
Progresso incremental
Quando a Apple revelou a Siri em outubro de 2011 – um dia antes da morte de Steve Jobs – o então chefe de software, Scott Forstall, impressionou a todos demonstrando como o assistente conseguia responder a consultas sobre o tempo, enviar mensagens e agendar reuniões. Críticos chegaram a chamar a novidade de “revolucionária”. Contudo, Forstall foi demitido um ano depois, após o lançamento fracassado do Apple Maps, e os avanços na Siri têm sido apenas incrementais desde então.
Executivos da Apple foram surpreendidos pelo lançamento da Alexa, da Amazon. “É um problema desafiador”, admitiu o executivo Eddy Cue ao Wall Street Journal em 2017, ao comentar os desafios enfrentados pela Siri. O desenvolvimento por etapas acabou fragmentando o código subjacente do software, o que alimentou falhas e atrasos na interpretação de comandos – contribuindo para a percepção de que a assistente vem se deteriorando com o tempo.
Na tentativa de inverter esse cenário, a Apple contratou John Giannandrea em 2018, uma contratação de destaque vinda do Google. Entretanto, a chegada do ChatGPT, no final de 2022, evidenciou novamente as deficiências da Siri. Investidores demonstraram preocupação de que o forte compromisso da empresa com a privacidade pudesse impedir que a Siri concorresse com chatbots que se alimentam de enormes volumes de dados.
Como resposta, Tim Cook prometeu inovações, e no ano passado a Apple anunciou uma reformulação abrangente da Siri como parte de um impulso maior na área de inteligência artificial, batizado de “Apple Intelligence”. Em junho de 2024, a empresa firmou um acordo com a OpenAI para complementar as respostas da Siri com o ChatGPT e anunciou que, em até um ano, lançaria uma “Siri mais personalizada”, capaz de utilizar todos os dados de um iPhone para funcionar como uma assistente poderosa. O plano, conhecido como “Siri 2”, previa que a assistente pudesse vasculhar mensagens de texto, e-mails e outros aplicativos para encontrar respostas – por exemplo, se você perguntasse “Quando o voo da mamãe aterriza?”, o bot consultaria mensagens recentes, cruzaria os dados com informações de rastreamento de voos e forneceria uma resposta em tempo real.
No entanto, meses se passaram sem qualquer sinal da nova versão, e a Apple foi obrigada a retirar outras funcionalidades de IA. Em janeiro, a empresa suspendeu um recurso que gerava resumos de manchetes de notícias, após reclamações de diversas organizações, incluindo a BBC. Mais cedo neste mês, a companhia afirmou que não seria possível determinar quando a reformulação da Siri chegaria, afirmando: “Isso vai nos levar mais tempo do que esperávamos para entregar essas funcionalidades.”
“Algo está podre”
De acordo com informações da Bloomberg, executivos da Apple disseram aos funcionários que os atrasos foram “embaraçosos” e “feios”, e que a empresa havia promovido a renovação da Siri antes mesmo de estar pronta. Robby Walker, diretor sênior da Apple, culpou a equipe de marketing por antecipar a divulgação dos novos recursos. Uma semana depois dessa revelação, Giannandrea foi afastado, e Mike Rockwell, chefe do headset Vision Pro, passou a comandar a Siri.

Esse erro de cálculo autoinfligido provocou uma onda de críticas. John Gruber, conhecido seguidor da Apple, afirmou que “algo está podre” na empresa, enquanto o analista Ming-Chi Kuo chegou a comentar que Cook deveria pedir desculpas. Além disso, a Apple enfrenta, agora, uma ação judicial por propaganda enganosa de clientes que compraram novos iPhones acreditando que receberiam funcionalidades como a nova Siri – processo este ao qual a empresa ainda não respondeu.
Dipanjan Chatterjee, da Forrester, resume a situação: “Há motivo para preocupação, mas não para pânico.” Ele destaca que, embora a Apple conte com uma base fiel de clientes, os recentes tropeços diminuíram as expectativas de um ciclo de atualizações capazes de impulsionar as vendas. Os problemas com a Siri podem ser compreendidos isoladamente, mas eles acontecem em meio a uma série de iniciativas da empresa que também não alcançaram as metas estipuladas. A Apple investiu bilhões de libras em um projeto de carro elétrico que foi cancelado há um ano, e seu headset Vision Pro – a maior inovação desde o iPhone – decepcionou, com planos para um modelo atualizado que permanecem incertos. O analista de tecnologia Benedict Evans chegou a questionar se as falhas da Siri seriam sintomas de uma “deriva, à la Windows Vista, para uma execução sistematicamente deficiente”, em referência ao lançamento fracassado do sistema operacional da Microsoft, há 19 anos.
Para sair desse ciclo de desafios e alcançar seus rivais de inteligência artificial, a empresa precisará se questionar seriamente. Entretanto, provavelmente não receberá ajuda da própria Siri – pois, se você perguntar “Quando você vai ficar mais inteligente?”, ela responderá: “Desculpe, não entendo.”