A Verdade Por Trás de “The Game Game”
Depois de fechar um acordo com a OpenAI em 2024, o Tinder passou a contar com personagens de inteligência artificial dotados de personalidades geradas. O objetivo não é substituir um encontro real, mas servir como um campo de testes para suas cantadas e pedidos desesperados por conexão verdadeira. Essa novidade evidencia como os aplicativos de namoro reduziram nossa capacidade de criar vínculos de forma orgânica, transformando interações em meros algoritmos, assim como acontece com os vídeos curtos nas redes sociais.
No dia 1º de abril, o Tinder lançou o “The Game Game”, um simulador de encontros movido a IA, projetado para ajudar os usuários a praticarem suas abordagens antes de embarcar no universo dos encontros reais. Diferentemente de aplicativos como o Character.ai, que permitem a criação personalizada de chatbots, esta ferramenta recria um cenário de “encontro fofo” com pessoas geradas aleatoriamente e convencionalmente atraentes. Embora lançada no Dia da Mentira, a funcionalidade é totalmente real e pode ser acessada através do ícone do Tinder no canto superior do aplicativo.
A experiência foi construída em torno do modelo voice-to-voice da OpenAI. Ao contrário de outras soluções, essa tecnologia reduz significativamente o intervalo entre sua fala e a resposta da IA, incentivando o uso do charme natural para encantar os personagens. O aplicativo premia os jogadores por demonstrarem curiosidade, calor humano, atenção e pela habilidade de fazer perguntas. Em suma, o Tinder orienta: “faça o que parecer natural”.
Apesar do caráter inusitado de conversar com um personagem gerado, essa interação não parece ser menos desconfortável do que iniciar uma conversa com alguém de verdade. As simulações, com exemplos que variam de execs tentando conquistar uma personagem com sotaque exagerado a diálogos que se encerram rapidamente diante de uma piada infeliz, ressaltam o quão artificial se tornou a arte de paquera na era dos aplicativos.
Em uma das situações, uma tentativa de flerte tomou um rumo inesperado: ao fazer uma brincadeira sobre “vinho” comparado a “ácido de bateria”, a IA prontamente se desculpou, sugeriu uma ida ao médico e encerrou a conversa. Em outra situação, um cenário de fuga improvisada também mostrou que, mesmo em meio ao humor, os personagens são projetados para evitar situações desconfortáveis, encerrando a interação rapidamente.
Os personagens criados soam como caricaturas dos humanos. Em um exemplo, uma mulher gerada com traços exagerados e um sotaque de Brooklyn insistia em compartilhar um táxi em Nova York e demonstrava um interesse inesperado em discutir o uso da IA em aplicativos de namoro. Embora o tom seja irônico, o Tinder avaliou com bons pontos as tentativas de conversa, mesmo que o confronto com a artificialidade torne o encontro um tanto quanto surreal.
O Tinder deixa claro que a ferramenta não deve ser levada a sério, enquanto a OpenAI enxerga nisso uma oportunidade para demonstrar sua tecnologia de voz em tempo real, apelidada de API Realtime, que utiliza os modelos GPT-4 para aproximar a conversação da dinâmica humana. Contudo, o aplicativo pode não ser o cenário ideal para esse tipo de simulação, já que a metodologia de encontros nos “apps” privilegia a quantidade, muito semelhante à experiência de deslizar infinitamente em plataformas como TikTok.
O conglomerado Match Group, que possui o Tinder, também detém outros aplicativos populares como Hinge, OKCupid e Plenty of Fish. Esses “apps” se resumem, para muitos, a momentos de encontros apressados e superficiais. Dados recentes apontam que mais de um terço dos usuários paga pelo privilégio de usar essas plataformas, que escondem perfis “destaque” atrás de barreiras pagas, incentivando conversas iniciadas por prompts nos perfis. Essa dinâmica parece mais planejada para capturar a atenção do que para proporcionar um verdadeiro “encontro fofo”.
Assim como na introdução inconfundível de “O Amor nos Tempos do Cólera”, a modernidade nos leva a refletir sobre a ironia de que, quanto mais dependemos da tecnologia para encontrar conexões, maior pode ser a distância entre o que desejamos e o que realmente experimentamos. Se o objetivo é encontrar o amor de forma genuína, talvez a resposta não esteja na inteligência artificial – com seus diálogos ensaiados e personagens caricatos – mas em romper com os limites impostos pelos aplicativos de namoro e buscar encontros reais e autênticos.