Lidar com a procrastinação pode atrapalhar seus planos. Existem aplicativos de autoajuda que prometem ajudar com isso, mas, conforme descobri, o caminho para a iluminação digital nem sempre é tão suave quanto anunciado.
1. A Armadilha da Simplificação Excessiva
Um dos maiores problemas desses aplicativos é a simplificação exagerada de tarefas simples. Por exemplo, durante um mês utilizando o Finch, passei a primeira semana marcando atividades como escovar os dentes, beber água e lavar o rosto. Essas são ações que quase todo adulto realiza cerca de 20 minutos após acordar – e realizá-las não melhora, de forma alguma, o meu dia de trabalho. Embora seja possível adicionar metas, a maioria das atividades no Finch está bloqueada atrás de um sistema de pagamento. Se eu quisesse usar um aplicativo gratuito para me lembrar de levantar da cama e escovar os dentes, meu despertador já cumpriria essa função. Além disso, essas tarefas simplificadas vêm acompanhadas de toques, sons de notificação e pop-ups excessivamente lúdicos, que tentam tornar a experiência menos opressiva, mas acabam exigindo muita configuração para funcionar conforme o desejado.
2. A Configuração é Sempre um Aborrecimento
Garantir que esses aplicativos de autoajuda funcionem do jeito que você precisa e o mantenham na linha pode exigir um esforço surpreendente. Mesmo sendo profissional de cibersegurança e desenvolvedor web, com contato diário com amostras de malware e centenas de linhas de código, às vezes tenho dificuldade em localizar certas configurações ou funcionalidades escondidas. O Habitica é um bom exemplo: o objetivo básico dele é gamificar suas tarefas, fazendo você progredir no jogo e ganhar itens ao concluir atividades na vida real. Parece simples, mas boa sorte para conseguir uma poção de incubação, alimentar seu animal de estimação, comprar equipamentos ou entender como funciona a moeda interna do aplicativo. Além disso, o Habitica utiliza microtransações, semelhantes às de jogos, para oferecer atualizações cosméticas – uma estratégia que, para quem já lida com distrações, pode não ser a melhor opção. Mesmo se você compreender tudo de imediato, criar tarefas que se adaptem perfeitamente às suas necessidades é um enorme desafio. Não há solução universal, mas os aplicativos poderiam ir além das básicas tarefas de escovar os dentes e sair da cama.
3. Excesso de Notificações
Outro aspecto contraproducente dos aplicativos de autoajuda é a frequência de notificações. No Finch, por exemplo, recebo em média quatro mensagens por dia, muitas vezes durante o horário de trabalho, somente para ser lembrado(a) de abrir o app. Para quem tem dificuldade de concentração, isso pode ser bastante incômodo. Entendo que as notificações são a única forma do aplicativo interagir caso você não o utilize ativamente, mas elas deveriam ser mais criteriosas quanto ao conteúdo. Interromper a concentração apenas para ver uma mensagem do tipo “Sinto sua falta, cheep” não ajuda na produtividade. Embora o Habitica apresente notificações mais relacionadas às tarefas, muitas vezes elas se perdem entre tantas outras no celular, e você só as nota quando já é tarde demais. No Android, é possível desativar permissões ou controlar individualmente os tipos de notificações, mas isso só aumenta a complexidade da configuração inicial.
4. A Falta do Elemento Humano
Não sou especialista em saúde mental e, portanto, não posso comentar sobre os benefícios ou desvantagens médicas do uso desses aplicativos, mas é evidente que falta um toque humano nessa abordagem. O tom excessivamente otimista do Finch pode acabar desmotivando, enquanto a obsessão quase robótica do Habitica com a conclusão de tarefas para avançar no jogo retira o prazer da gamificação. Esses aplicativos perdem a conexão humana que você teria ao conversar com um profissional de saúde mental ou mesmo com um amigo. Pessoalmente, prefiro trocar ideias com amigos a enfrentar desafios com animais virtuais – por mais fofos que sejam. A saúde mental é uma questão séria, e o melhor é buscar um profissional que possa orientar e, se necessário, prescrever o tratamento adequado. Lembre-se de que, embora os apps ajudem a lembrar de tarefas, auto-diagnosticar-se pela internet ou por meio deles pode fazer mais mal do que bem.
5. O Progresso Pode Ser Ilusório
Mesmo que você registre sequências diárias e seja elogiado pelo aplicativo como um “superastro”, isso nem sempre reflete um progresso real. No Finch, por exemplo, eu já cumpria o mínimo de atividade diária simplesmente ao levantar da cama, escovar os dentes, lavar o rosto e beber um copo d’água. Dessa forma, o aplicativo interpreta que estou mantendo uma sequência de vitórias enquanto, na verdade, meu dia sequer teve um início de verdade. Você pode alinhar o progresso do aplicativo com o seu avanço no mundo real, mas precisará assumir manualmente quase todos os aspectos do funcionamento do app. Além disso, o aplicativo não pode confirmar se a tarefa foi realmente concluída – basta que você toque um botão para que ele pare de incomodar. Ferramentas simples, como o Google Tasks ou mesmo o Sticky Notes, podem produzir resultados semelhantes sem a complexidade adicional.
6. Preocupações com a Privacidade de Dados
Por fim, utilizar um aplicativo de autoajuda significa fornecer uma quantidade considerável de dados pessoais, inclusive seus hábitos de uso do telefone. Isso gera sérias preocupações com a privacidade, pois um eventual vazamento pode expor informações detalhadas sobre toda a sua rotina. Esses apps incentivam você a ser honesto e a se abrir, o que implica registrar desafios pessoais e aspectos que deseja melhorar – informações que definitivamente você não quer que sejam vazadas ou comercializadas. Ademais, há o risco de que seus dados sejam vendidos para corretores e anunciantes, visando a exibição de publicidade direcionada. Embora muitos aplicativos coletem seus dados, a extensão das informações obtidas pelos apps de autoajuda os torna alvos atrativos para práticas duvidosas.
Em resumo, embora os aplicativos de autoajuda possam oferecer lembretes e uma estrutura gamificada para a realização de tarefas, eles apresentam diversos desafios que podem comprometer seus benefícios reais. Cabe a cada um avaliar suas necessidades e optar pela solução que melhor funcione para a sua rotina.