Cientistas contestam o “avanço” em computação quântica da Microsoft

A reivindicação recente da Microsoft de ter criado os primeiros “qubits topológicos” – um marco na computação quântica – tem sido contestada, com um físico questionando a confiabilidade de um teste fundamental que embasaria tal avanço. Esse ceticismo se intensifica diante do anúncio feito em 19 de fevereiro, sem a publicação de um artigo revisado por pares que apresentasse evidências diretas da existência dos qubits. Em vez disso, a Microsoft divulgou um estudo na revista Nature, no qual foi descrito um método para medir futuros qubits topológicos, sem confirmar sua criação.

“Embora o artigo da Nature tenha delineado nossa abordagem, ele não reflete nosso progresso”, afirmou um porta-voz da Microsoft, ressaltando que avanços significativos ocorreram desde a submissão do estudo, há quase um ano. Em um novo artigo da revista Nature, Henry Legg, físico da Universidade de St Andrews, no Reino Unido, apresentou uma crítica ao chamado protocolo do gap topológico (TGP), teste utilizado pela Microsoft para detectar as quasipartículas Majorana.

As Majoranas, que emergem do comportamento coletivo dos elétrons, são essenciais para o funcionamento dos qubits topológicos. Embora a Microsoft não tenha mencionado o TGP no anúncio de fevereiro, posteriormente confirmou que o teste teve papel importante no desenvolvimento dos qubits.

“Como o TGP é falho, as bases do qubit não estão presentes”, argumentou Legg em seu pré-print.

Chetan Nayak, que lidera a pesquisa em computação quântica na Microsoft, rebateu a crítica de Legg afirmando: “A crítica pode ser resumida como Legg construindo um argumento fantasioso a partir do nosso artigo para, em seguida, atacá-lo.”

O Desafio Majorana

As Majoranas têm se mostrado evasivas, com reivindicações anteriores de sua descoberta frequentemente sendo refutadas como falsos positivos. Os pesquisadores da Microsoft introduziram o TGP num pré-print em 2022, posteriormente publicado na Physical Review B (PRB), como um método para identificar Majoranas com alta probabilidade. O teste baseia-se em medições eletrônicas em estruturas metálicas ultrafracas, em que sinais específicos indicariam a presença das Majoranas.

No entanto, Legg e seus colegas da Universidade de Basel descobriram que o teste poderia ser enganado por “doppelgangers” – sinais que imitam as Majoranas, mas não possuem suas propriedades essenciais. Na sua mais recente análise, Legg apontou outras falhas, como inconsistências nas condições experimentais, incluindo variações na intensidade do campo magnético, o que pode minar a confiabilidade do teste.

Nayak minimizou essa questão, afirmando: “As variações vêm de uma análise inicial que descrevemos, e sempre avaliamos o conjunto completo dos dados.”

Legg também destacou uma discrepância entre a descrição do TGP no artigo da PRB e sua implementação no código público divulgado pela Microsoft. Embora Nayak inicialmente reconhecesse essa diferença por e-mail, depois a considerou um “ponto sem importância”.

Carlo Beenakker, físico da Universidade de Leiden, classificou a crítica de Legg como “certamente válida”, mas mantém o otimismo acerca da busca da Microsoft pelos qubits topológicos. Já Anton Akhmerov, da Universidade de Delft, acredita que a empresa precisa responder publicamente às preocupações levantadas. Um porta-voz da Microsoft afirmou que uma resposta formal será fornecida se os editores da PRB entrarem em contato.

Perguntas Sem Resposta

Alguns detalhes importantes permanecem em sigilo devido a preocupações com propriedade intelectual, incluindo o código utilizado nas simulações da Microsoft para validar o TGP. Embora a empresa tenha compartilhado alguns parâmetros do dispositivo com a Nature, Akhmerov insiste que, sem acesso ao código-fonte completo, a validade dos resultados não pode ser confirmada.

A revista Nature reconheceu as preocupações relacionadas ao protocolo, mas mantém que elas não comprometem a validade do estudo. Espera-se que mais esclarecimentos sejam fornecidos em 18 de março, quando Nayak apresentará os dados dos qubits topológicos em uma reunião da American Physical Society. Por ora, o ceticismo persiste. “Não há evidências convincentes, nem minimamente convincentes, para a existência das Majoranas”, concluiu Beenakker.

Este debate ressalta os desafios enfrentados no desenvolvimento da computação quântica, evidenciando as dificuldades na detecção e manipulação de partículas tão sutis quanto as Majoranas.