Parte da cultura empreendedora que temos hoje supervaloriza quem coloca o trabalho na frente de todo o resto da vida. Se você não trabalhar o tempo todo e dedicar sua vida ao seu sonho provavelmente não será bem sucedido.

Você provavelmente ou conhece alguém assim ou se identifica com o que eu falei. Quantas vezes você já disse que não tem tempo para cuidar de você mesmo? Ou então conhece alguém que dorme menos de 5 horas por noite porque tem muita coisa pra fazer? Pois é, eu conheço é muita gente nesse esquema. Eu mesmo já repeti esse mantra da vida ocupada durante muito tempo.

Tudo bem, tem pessoas que é realmente são muito ocupadas. Mas ninguém precisa trabalhar 16h por dia para ‘ser produtivo’. O senso de urgência que a vida moderna passa é estranho e quase ninguém sabe lidar com a necessidade de tudo estar pronto para ontem. Nesse artigo vou destrinchar um pouco sobre como foi minha experiência repetindo o mantra do empreendedor ocupado e explicar porque eu acho que temos que diminuir nossa velocidade.

O mito da produtividade

Com uma rápida pesquisa no Google você terá acesso a uma infinidade de artigos promovendo hábitos e hacks para sermos mais produtivos. É como se existisse um ideal de produtividade que todos nós podemos alcançar se seguirmos determinado caminho ao longo do dia. Se amanhã você não conseguir produzir 200% a mais do que hoje, provavelmente está trabalhando abaixo da sua capacidade.

Eu mesmo estou sempre em busca de métodos diferentes de organizar meu dia para poder produzir mais. Aqui no blog você vai achar artigos que dão dicas exatamente de como ser mais produtivo:

Produzir, produzir, produzir. Quanto mais, melhor? Acho que a gente ta viciado demais nesse ideal de que temos que ser cada vez mais produtivos. Não me entenda mal, eu adoro o tópico e busco sempre formas de melhorar minha estrutura para que consiga ser mais produtivo. Mas isso é um buraco sem fundo.

É deprimente e desmoralizante pois o tempo inteiro tem uma nova forma de lidar com a produtividade e no final, se prestarmos bastante atenção, estamos no mesmo lugar ou pior. O problema é que colocamos a responsabilidade em nós mesmos. Não somos produtivos porque não tentamos o suficiente, aí para compensar [advinha] trabalhamos várias horas extras.

Pessoa pensando em sua produtividade

Hábitos que não acabam mais

Deixe o telefone de lado, junte tarefas repetidas, anote suas tarefas, crie listas de prioridade, se demorar menos de 5 minutos faça imediatamente, delegue tarefas, crie rituais matinais, faça reuniões breves em pé, tome mais café, faça exercícios, etc, etc…

Pesquisa no Google sobre produtividade

Todo mundo hoje é expert em produtividade. Eu não falo isso sendo irônico. Se você trabalha e faz algo que funciona para você, você – pela definição de expert na internet hoje em dia – é um especialista no assunto. Como já mostrei, aqui mesmo no blog eu falo muito sobre isso. E do que que todo expert em produtividade fala? Hábitos!

Corte 10 hábitos ruins da sua vida e adicione 10 novos hábitos hiper produtivos que aí sim você vai conseguir ser um profissional digno de nossa geração. E se não conseguir é porque não possui força de vontade e controle emocional, isto é, você falhou.

Tem algo estranho nessa situação toda, não é?

Uma mudança de paradigma

Eu tinha duas empresas e mais alguns projetos pessoais quando me vi pela primeira vez com sintomas de stress. Eu tinha parado de fazer exercícios físicos, não via mais meus amigos e as vezes passava quase um dia inteiro sem comer, tudo com a justificativa da falta de tempo. Parece que a única coisa que importava para mim era eliminar as tarefas da minha crescente lista de afazeres.

Tentei de tudo para ser mais produtivo, mas mesmo assim me sentia a pior das pessoas quando chegava no final do dia e percebia que teria que sacrificar mais umas horas de sono para atender as demandas.

Eu demorei para perceber que tinha algo errado. Meus sócios e alguns amigos viviam no mesmo mundo que eu. Se não tem stress e sacrifícios, não tem resultado. O problema começou quando mesmo eu dedicando horas e mais horas não conseguia mais produzir como antes. Seguindo ou não seguindo os hábitos de pessoas produtivas, simplesmente meus resultados estavam abaixo do que eu considerava o mínimo. E isso me frustrou muito.

Custei para aceitar que teria que mudar, mas foi lendo livros e artigos como esse que estou escrevendo agora que me dei permissão para mudar. Abandonei aquilo que não me fazia bem e busquei alternativas mais interessantes para minha vida.

Vou listar aqui algumas das lições que aprendi.

Criatividade morre facilmente

Criatividade é um daqueles termos difíceis de explicar, mas sabemos muito bem quando temos momentos criativos e momentos não criativos. Após alguns anos dormindo pouco e trabalhando muito, algo que percebi é que minhas ideias eram cada vez piores. Isso quando eu tinha alguma ideia, já que a maior parte do tempo a mente ficava na realização de tarefas e resolução de pendências.

Criatividade não consegue existir sem que nossa mente dê tempo para ela aparecer. Pouco sono e vício na produtividade reduz nossa habilidade de pensar criativamente.

Seu corpo é mais importante

Entre mais uma hora de trabalho ou uma hora de exercício físico, sempre opte pela segunda opção. Eu era uma pessoa super atlética, mas cortei minha sequência de uns 15 anos de exercícios físicos regulares para ter mais tempo para trabalhar. Que erro!

Se era importante para mim ter energia para trabalhar, não tinha ação mais destrutiva do que trocar exercício físico por trabalho. Levantar de manhã ficou mais difícil, ficar sentado começou a gerar dores e descobri que dor de cabeça existe.

Exercício físico é uma das três maiores fontes de energia para o trabalho que existe.

Sua alimentação é mais importante

Assim como o exercício físico, alimentar mal ou não alimentar (como no meu caso) traz problemas muito mais sérios do que não conseguir bater a meta diária de tarefas. Não sei se preciso reforçar que comer porcaria contribui para a preguiça e indisposição para o trabalho, então vou deixar indiretamente nessa frase.

O que realmente importa é que a falta de nutrientes importantes para nosso corpo em médio e longo prazo faz com que doenças, baixa imunidade e o próprio stress acabe com nossa energia. Sem energia, nem com 20 novos hábitos você vai conseguir produzir mais.

Seu sono é importante

Completando o que considero as três principais fontes de energia para o trabalho (exercício físico, alimentação e sono), temos que falar de dormir bem. Confesso que até hoje tenho problemas com essa questão já que é a mais fácil de se burlar. Nosso corpo não foi feito para dormir pouco ou dormir mal. Com poucos dias de pouco sono nossa habilidade cognitiva fica seriamente alterada. Isso significa que a capacidade do tico e do teco trocarem uma boa ideia diminui.

Quando menos você dorme e acumula horas não dormidas, pior vai ser sua produtividade e sua capacidade de lidar com problemas adversos do dia a dia. Isso sem falar de mais stress, menos paciência e ainda mais dores no corpo.

Cultura do endeusamento do empreendedor produtivo

Quem nunca olhou para aquele ou aquela empreendedor(a) que consegue girar o mundo com suas ideias. Transformam mercados, criam soluções e tudo isso sem perder a pose. Mas será que é isso mesmo?

Para começar ninguém cria algo grande sozinho, sem apoio psicológico de amigos e familiares, sem tempo ou sem algum tipo de problema. Ser estúpido, ficar doente ou se isolar do mundo não são justificativas ou efeitos colaterais válidos para compensar a criação de algo grande. Muitas vezes endeusamos pessoas que passaram por cima de outras ou de si mesmas para conseguir fazer algo em tempo recorde ou transformar seus negócios. Mas a que custo?

Pessoa correndo para ser mais produtiva

Eu, pelo menos, não quero ter que sacrificar algo tão grande como minha saúde ou relacionamentos para deixar um legado mais rápido. A velocidade é o problema. Com um pouco mais de tempo tudo poder ser feito com ainda mais qualidade e sem ter que comprometer o que deveria ser mais importante.

Colocar no pedestal quem tem ideias auto destrutivos não ajuda a comunidade de empreendedores que pode ser que só irá descobrir os efeitos colaterais quando não tiver mais jeito de voltar atrás.

Relacionamentos

Ao contrário de colocar um novo produto no mercado, os relacionamentos não são criados com mais produtividade e esforço. O relacionamento com familiares e amigos só existem por uma junção de fatores e conjunturas que podem ser que nunca voltem a acontecer. Se você esquecer dos relacionamentos, pode ser que eles nunca voltem a ser como antes.

Eu posso dizer por experiência própria que perdi amigos por falta de interesse de minha parte. As pessoas tem um certo limite para a quantidade de vezes que irão te procurar. Quanto mais afastado e focado no trabalho, menos tempo terá para o cultivo das amizades – e essas podem ser que desapareçam.

Felicidade

Produzir mais e conseguir, ao final de anos de trabalho árduo, uma grande conquista traz sim muita felicidade. Mas pelo menos para mim o caminho infeliz não justifica mais esse plano. Felicidade para mim é um estado que vem de várias formas, mas não consigo imaginar ela plenamente sem estar bem com meu corpo e com meus relacionamentos.

Áreas profissional, pessoal, interpessoal, espiritual e financeira podem ser algumas que pensamos quando falamos de felicidade. Se uma boa parte delas está bem, estamos felizes. Focar apenas na profissional gera um desequilíbrio e a ilusão de que um dia você será plenamente feliz não é suficiente para compensar as outras áreas.

Máquinas que são produtivas

Estamos em um momento de transformação no mundo. Tudo que pode ser feito por máquinas será feitos por máquinas. Quem tem que preocupar com produtividade agora são eles, os robôs. O papel do ser humano está cada vez mais direcionado á criatividade e resolução de problemas. Nos forçar a distanciar daquilo que nos diferencia é como dar um tiro no pé já que a qualquer momento poderemos ser substituídos por um trabalhador metálico super produtivo e incansável.

Curtir o momento presente

Não há nada mais interessante do que viver o presente. Afinal é o único momento que podemos agir e realizar algo. Mas viver o presente significa colocar a mente em um estado de foco que simplesmente é impossível com a correria moderna. Se tudo é pra ontem com o objetivo de ser grande amanhã, o hoje tem pouco espaço para existir. A ansiedade dessa lógica corrida impossibilita curtir a execução do trabalho no momento, o que impossibilita também ser feliz com o trabalho.

Não tem problema em ser produtivo, mas não pode ser o meio de vida

Ser produtivo é algo sensacional. Conseguir realizar as coisas com menos tempo e organizar a vida para que as tarefas sejam cumpridas é algo muito positivo. O problema vem quando isso vira um meio de vida e, ao invés de aproveitar o tempo adquirido com a produtividade, acaba colocando mais trabalho no lugar. Acredito que o ideal seja diminuir mesmo a velocidade de produção.

Quando você conseguir produzir mais, aproveite para descansar, correr, comer melhor, passar um tempo legal com a família. Ao invés de procurar mais trabalho e querer fazer algo em tempo recorde, durma mais.

Dessa forma conseguir manter o nível de produtividade é algo possível e o ciclo virtuoso começa.

Ser seu próprio chefe

Tem um cara chamado Jon Westenberg que escreveu algo que me identifiquei muito. “A pior parte de ser empreendedor (ou Freelancer) é ser seu próprio chefe”. Isso porque você é o pior chefe que existe. Ou você não se incentiva e motiva o suficiente para realizar bons trabalhos em tempo hábil ou você se força demais até bem depois do limite. Ser seu próprio chefe significa lidar com o chefe mais abusivo possível – uma pessoa que não tem limite algum e vai te colocar para trabalhar 100% do tempo de todos os dias da semana, sem férias ou descansos.

Esse chefe escroto vai achar que você é fraco por não conseguir manter o ritmo de produtividade só porque dormiu 3 horas a semana toda. Vai te achar ignorante porque não pensou em alternativas criativas depois de meses sem fazer exercício. Vai te culpar por que não bateu as metas mesmo depois de sacrificar seus relacionamentos em prol do trabalho.

Você tem que controlar esse chefe. Só assim vai conseguir sair desse ciclo vicioso.

A vida vai esperar

No final das contas passando por cima da cultura da produtividade você verá que a vida vai te esperar. As pressões existem em qualquer trabalho – seja você como o chefe ou outra pessoa. Isso não é problema. Agora você é que decide até onde deverá ir. Se existem leis trabalhistas para limitar as horas trabalhadas é para impedir que chefes escrotos como mencionados acima existam. Mas quando você é seu próprio chefe tem que fazer um esforço extra para lembrar disso.

Se o seu negócio não crescer 20% ao ano e só 10%, vai fazer alguma diferença real? Não. A vida é uma balança e colocar os benefícios dos 10% extra em comparação com mais felicidade, saúde e paz é um exercício que poucos fazem. Hoje para mim a balança tente mais ao lado do bem estar e fico muito feliz de ter posto tudo na balança.

Naturalmente todos nós temos momentos em que temos que fazer esforços extras. Mas isso é algo pontual. Não pode ser a regra.

A balança muitas vezes é entre o bem estar e a ganância e não entre o bem estar e o simples sucesso do negócio ou empresa. Ter a balança em vista sempre é importante para poder distinguir esses momentos.

Espero que tenha gostado do artigo! O que você acha a respeito desse assunto? Está em uma fase na vida em que prioriza o trabalho mais do que tudo? Deixa abaixo um comentário e vamos continuar a conversa por lá.

Divirta-se!