Começo com uma história sobre mediocridade.
Quando estava na escola, uma professora explicou:
“Vocês sabem o que significa medíocre? Vem de estar na média. Estar na média significa que você não é nem bom, nem ruim. É regular e mediano. Você não quer ser uma pessoa assim. Você não quer ser medíocre. Você precisa se destacar e ser diferente, melhor.”
Não garanto que eram exatas essas palavras, mas me recordo muito bem desse discurso. Na verdade, me lembro de várias vezes ter ouvido isso.
Em palestras motivacionais, em livros sobre startups, em podcasts de empreendedorismo, em reuniões de família, etc. A palavra medíocre é tão utilizada para se referir a algo negativo e não desejado que, além de seu conceito de “médio”, também consta nos dicionários o significado pejorativo de “banal”.
O resultado dessa repetição é que temos medo de ser medíocres. Temos receio de sermos taxados como medianos e de não conseguir nos “destacar da manada”.
No entanto, eu não acho que devemos comprar esse discurso da mediocridade sem antes o questionar.
Os paradoxos da mediocridade
Vamos falar primeiro sobre o significado de “médio”. Só pode haver uma categoria de mediano ou médio se houver os extremos de bem e mal, alto e baixo, inteligente e burro, etc.
Então, quando falamos para alguém que ela precisa almejar algo que não a mediocridade, também estamos dizendo que só ela e mais alguns podem fazer isso. Afinal, se todos buscassem sair da mediocridade, o excepcional seria o novo medíocre.
Buscar ser melhor do que a média significa simplesmente competir com as pessoas ao seu redor por um papel superior. É uma métrica que só faz sentido pela comparação ou competição.
Agora, se pensarmos no sentido pejorativo da mediocridade, temos outras questões a pensar. Para ser melhor do que a média, você precisa ou já ter nascido com características específicas, ou possuir recursos diferenciados ou então se dedicar e se esforçar para se diferenciar.
Vamos considerar que as duas primeiras possibilidades estão mais relacionadas com a loteria do berço. Então, a única alternativa que nos resta para sermos excepcionais e que podemos controlar é nosso esforço e dedicação.
No entanto, para ficarmos realmente bons em algo, precisamos de muita dedicação, abdicando – portanto – de outros desenvolvimentos para sermos excepcionais em uma ou duas coisas.
Isto é, para sermos excepcionais em algo, acabamos aceitando sermos muito abaixo da média em muitas outras coisas. Para ser um super empresário inovador, provavelmente há a abdicação de família, amigos e dos jogos. Para ser um super pai, provavelmente não conseguirá sem abdicar de hobbies ou de ser o melhor profissional da sua área.
Não temos tempo para nos desenvolver em tudo igualmente até um nível acima do medíocre. Ser acima da média em alguma coisa implica ser abaixo da média ou simplesmente medíocre em outra.
A motivação para sair da mediocridade
Poucas coisas na minha vida me instigaram a querer ser acima da média pelo meu próprio esforço. Lutei e dei aulas de Karate por muitos anos e acredito ter buscado e conseguido ficar acima da média.
Hoje, quero que meu conteúdo seja excepcional e me esforço para tal. No entanto, não sei se quero basear meu sucesso na média. Por mim, se todos fossem ótimos escritores eu ficaria muito feliz de ser mediano.
Eu quero comparar meu desenvolvimento apenas comigo mesmo. Se mês passado eu escrevia pior do que hoje, significa que melhorei e, portanto, estou no caminho certo.
Não preciso me comparar com os melhores escritores do mundo ou mesmo vislumbrar que estarei acima da média.
A média hoje é muito complexa. É fácil abrir o Instagram ou outra rede social e descobrir que não estou mais competindo com meus colegas e amigos, mas sim com o mundo todo que agora faz parte da média.
Além disso, competimos não com a verdadeira média, mas sim a média imaginada pelo que as pessoas escolhem compartilhar nas redes sociais. Se eu quero ser mais bonito do que a média, não basta olhar para o lado, tenho que ser mais bonito do que os photoshopados do Insta. Se quero ser mais “bem sucedido” do que a média, estou competindo com diretamente com todos as dezenas de fotos de pessoas com laptops na praia tomando um drink e ganhando milhões mesmo que elas não sejam verdadeiras.
Meu cérebro não entende a diferença. Se quiser saber mais sobre isso, dá uma olhada nesse vídeo.
O resultado:
Depressão, ansiedade e perda da motivação.
Como então podemos pensar sobre a mediocridade sem precisarmos falar frases motivacionais que não tem muito fundamento?
A resposta para isso, no meu ver, está em uma interpretação do que significa ser medíocre.
“Se podendo fazer o seu melhor, se contenta em fazer o possível (…) caí na mediocridade.” – Cortella
Novamente, entendendo que a maior parte das pessoas “faz apenas o possível” e não “o seu melhor”, se fazemos o nosso melhor provavelmente estaremos acima da média.
A chave aqui está no pronome. Quando trazemos a mediocridade para compreender a média dentro de nós mesmos, aí sim conseguimos pensar em sermos acima da nossa própria média. Se eu sei que consigo fazer melhor, então vou me esforçar para ficar acima do que eu normalmente faço.
Assim, melhoramos pois conseguimos vislumbrar que é possível ser excepcional uma vez que nos conhecemos.
A escolha de ser medíocre ou excepcional
Para fechar essa reflexão, quero expressar como hoje eu penso sobre essa questão.
Acredito que é importante buscarmos sermos excepcionais em algumas áreas, mas precisamos ter consciência de algumas coisas.
Primeiro, consciência do por quê desejamos ser acima da média. Os sacrifícios para ser acima da média precisam valer a pena. Um vídeo de um estudante que ficou em primeiro lugar na formatura da sua escola recentemente viralizou porque o estudante refletiu que não valeu a pena ele se tornar o melhor porque acabou abdicando de muita coisa por algo que, no fundo, não era tão importante.
Ter uma motivação por traz forte é importante e essa motivação só irá existir se houver um propósito ou uma razão forte que a sustente.
Segundo, ter consciência de que a a busca por sair da mediocridade em alguma área vai nos colocar abaixo da média em outras. Assim como falamos em sacrifícios, aqui temos que realmente aceitar o que vamos abdicar para sermos excepcionais em algo. É a saúde? É as relações sociais? São os hobbies?
Só estaremos confiantes e satisfeitos com nossa busca por excepcionalidade quando estivermos tranquilos com nossas abdicações.
Com uma estratégia clara de como nos tornar acima da média, uma tranquilidade com o que estamos abdicando e um propósito forte por trás podemos sim fazer coisas “fora da curva”.
Vale a pena?
Só você para dizer.
Para mim, não precisamos te medo de ser medíocres em algo que escolhemos ser medíocres. Pode ser que essa escolha seja estratégica para poder sermos acima da média em outra área ou simplesmente porque não precisamos dessa reafirmação comparativa. O que importa é estarmos tranquilos com nossas escolhas e, esperançosamente, ter a liberdade de poder escolher.
Divirta-se!
4 Comentários
Adorei seu texto, em uma terapia saiu a carta mediocridade, achei ruim, mas qdo li seu texto tive outra visão, pude acolher o sentido da carta. Obrigada!
Oi Márcia, tudo bem? Que bacana que gostou do texto 🙂 Fico feliz! Acolher é um ótimo caminho, né?
Um abraço
Texto excepcional! Pesquisei exatamente o título do texto e este foi o primeiro que apareceu na minha tela, era exatamente o que precisava ler. Às vezes o medo da mediocridade (a que conhecemos) é tão grande que esquecemos de olhá-la por outros pontos de vista. Entender realmente o que é a mediocridade é o caminho para sair dela.
Fico muito feliz com esse retorno 🙂 Desejo sucesso pra ti