Ter filhos é algo incrível, mas como tudo na vida também tem seus lados difíceis.

O romantismo da maternidade ou da paternidade está devagarinho sendo desconstruído e, em seu lugar, aparece a realidade:

Ser pai ou ser mãe é tenso também.

Eu estou em contato com vários pais recentes e sempre que pergunto como as coisas estão eu fico me sentido o único “loser” da turma. Ta todo mundo falando que é a melhor coisa do mundo, que é legal demais, que o amor é imenso e por aí vai.

Tudo isso é verdade pra mim também, mas parece que sou o único que emenda essas frases com algum tipo de:

  • To tão cansado que já perdi vários prazos de clientes
  • Entreguei trabalho errado e o cliente está no meu pé
  • Minhas costas doem
  • Brigamos aqui em casa por um motivo nada a ver por causa de tanto sono
  • Estou frustrado por não conseguir manter algumas rotinas de exercícios ou estudos que tinha
  • Estou com o sentimento de que perdi a liberdade e isso está me fazendo ficar triste ou em dúvida sobre o futuro

Então há três possibilidades:

  • Eu sou o único que estou com esses sentimentos e dificuldades ou o único que se afeta por isso
  • As pessoas evitam falar sobre essas questões por medo, para manter a imagem social ou outro motivo
  • Esses pais não estão se assumindo como pais e estão deixando tudo nas costas da mulher

A Amanda recentemente me convidou pra ler com ela alguns capítulos de um livro que está lendo chamado 60 dias de neblina, da Rafaela Carvalho.

Um livro que é destinado a mães.

O interessante é que, até certo grau, eu me identifiquei e me vi impactado pelos capítulos do livro.

Um falava de solidão e eu lembrei das dezenas de noites que fiquei andando quilômetros da sala pro corredor para fazer o neném dormir enquanto a Amanda tinha alguns momentos de descanso.

Outro falava sobre a perda de liberdade e me lembrei de alguns dias por volta da quarta semana de vida do Ravi, quando me vi chorando de frustração por achar que nunca mais ia conseguir fazer meus projetos e estudos ao mesmo tempo que entendia que agora uma vida era totalmente dependente de mim.

Enquanto a Amanda estava grávida eu participei de um curso de gestação para homens e foi quanto comecei a entender melhor que um pai pra ser pai ele assume e divide a responsabilidade e o cuidado com o novo ser e por sua criação.

Mas só agora caiu a ficha do que significa isso.

Perda de liberdade

No livro a autora aponta num capítulo que a maior dificuldade foi compreender a perda dessa liberdade.

E antes mesmo de ler esse trecho do livro eu já estava conversando com a Amanda sobre isso.

A noção de liberdade é dada como algo natural em nossa sociedade, em especial se você faz parte do tipo de pessoa que é privilegiada estruturalmente.

No meu caso, eu sempre valorizei isso e até lancei um curso chamado “Autonomia Profissional” que aponta caminhos para termos mais liberdade na vida.

Me ver numa situação em que agora minhas ações não podem mais ser só decididas por mim ou por negociações com pessoas próximas foi um choque.

No entanto, agora estou mais tranquilo com relação a isso.

Não só porque estou começando a aceitar que a dinâmica é outra, mas porque tenho realmente tentado desconstruir essa noção de liberdade.

Liberdade é uma ilusão.

Do momento que nascemos em um determinado país, estamos abrindo mão de algumas liberdades, que são as reguladas por leis.

Se no lugar que nascemos, nossa cor de pele, identificação de gênero, classe social, biotipo ou outra característica não é estruturalmente aceita, então perdemos ainda mais liberdades.

Algumas culturas valorizam a coletividade e, por isso, trazem cuidados, ações em conjunto e outras formas de interação que retiram ainda mais a liberdade do indivíduo.

Já outras culturas, como a ocidental “americanizada”, tem seu foco no individualismo.

Eu nasci numa cultura ocidental fortemente influenciada por essa ideia de que sozinho tenho toda a liberdade para decidir e ser o que eu quiser no mundo.

Imagino que talvez você também.

Aceitar que na verdade liberdade não é esse conceito tão poderoso é difícil. Estou exatamente nesse processo. Em especial, preciso desconstruir isso pois é exatamente o apego à liberdade que leva a abusos, autoritarismos e outras formas de lidar com a família que não quero de jeito nenhum.

Bom, essa foi a reflexão dessa semana sobre paternidade.

Um pouco diferente das outras, mas é um tema que está bem frequente nas minhas conversas com a Amanda e resolvi compartilhar nossos pensamentos sobre o assunto.

Faz sentido? Me conta nos comentários o que pensa.

Divirta-se!