Automatização e Produtividade em Laboratórios de Patologia
A Elea AI busca aproveitar a oportunidade de produtividade no setor de saúde, focando em laboratórios de patologia que ainda utilizam sistemas legados. Enquanto diversas startups aplicam inteligência artificial para otimizar processos administrativos que sustentam o cuidado com os pacientes, a Elea, sediada em Hamburgo, aposta em um nicho pouco explorado e subatendido. A empresa pretende escalar seu sistema de fluxo de trabalho, impulsionado por um agente de IA capaz de processar voz, a partir do ambiente dos laboratórios, para transformar a produtividade não só desse setor, mas de outros departamentos religiosos à saúde.
A ferramenta de IA da Elea foi desenvolvida para revolucionar a forma como clínicos e demais colaboradores dos laboratórios trabalham. Ela substitui completamente os sistemas de informação legados e métodos tradicionais – como o uso do Microsoft Office para digitar relatórios – transferindo o fluxo de trabalho para um “sistema operacional de IA”. Esse novo ambiente utiliza transcrição de voz para texto, entre outras automações, para reduzir de forma significativa o tempo necessário para a emissão de um diagnóstico.
Após cerca de meio ano operando com seus primeiros usuários, a Elea já relata que seu sistema é capaz de reduzir o prazo de produção de aproximadamente metade dos relatórios do laboratório para apenas dois dias.
Automatização Passo a Passo
O fluxo de trabalho dos laboratórios de patologia, geralmente composto por etapas manuais e sequenciais, oferece um vasto potencial para ganhos de produtividade com a aplicação de IA. Segundo o CEO e cofundador, Dr. Christoph Schröder, “viramos esse processo de cabeça para baixo – e todas as etapas são muito mais automatizadas. Médicos conversam com a Elea, enquanto os assistentes técnicos informam o que observam e o que desejam fazer.”
“A Elea é o agente que executa todas as tarefas do sistema, desde a preparação das lâminas até a coloração, agilizando as operações de forma muito mais rápida e suave.”
Ele acrescenta que “não se trata de complementar nada, mas de substituir toda a infraestrutura.” Com o software em nuvem, a proposta é eliminar os sistemas legados e as formas fragmentadas de trabalho baseadas em aplicativos específicos, orquestrando todas as etapas a partir de um único ambiente integrado.
A startup está utilizando diversos modelos de linguagem, ajustados com informações e dados especializados para proporcionar as funcionalidades necessárias ao contexto dos laboratórios de patologia. O sistema integra a conversão de voz em texto para transcrever anotações dos funcionários e também transforma essas transcrições em estruturas que direcionam as ações do agente de IA – como, por exemplo, enviar instruções para o equipamento do laboratório e manter o fluxo de trabalho em movimento.
Embora a Elea também planeje desenvolver seu próprio modelo básico para análise de imagens de lâminas, direcionando seus esforços para aprimorar capacidades diagnósticas, o foco atual é escalar sua oferta inicial.
A proposta para os laboratórios é que processos que normalmente levariam duas a três semanas, utilizando métodos convencionais, possam ser realizados em questão de horas ou dias. A integração do sistema permite acumular ganhos de produtividade ao eliminar atrasos inerentes à digitação manual e aos erros humanos que podem ocorrer nesse procedimento.
O sistema pode ser acessado via aplicativo para iPad, aplicativo para Mac ou pela web, atendendo às diversas necessidades dos usuários.
Investimento Semente
A startup revelou, pela primeira vez, que levantou 4 milhões de euros em um investimento semente, liderado por Fly Ventures e Giant Ventures, utilizado para ampliar a equipe de engenharia e colocar o produto nas mãos dos primeiros laboratórios.
Embora esse montante seja modesto em comparação com os bilhões de dólares que circulam anualmente no setor, Schröder defende que startups de IA não necessitam de exércitos de engenheiros nem de centenas de milhões para ter sucesso – é uma questão de aplicar os recursos de forma inteligente. No contexto da saúde, isso significa abordar cada departamento de maneira específica e amadurecer o caso de uso alvo antes de expandir para outras áreas.
Ele também confirma que a equipe pretende buscar uma rodada de financiamento Série A maior, provavelmente neste verão, com o intuito de aumentar sua atuação no mercado, deixando de depender apenas do boca a boca que caracterizou os primeiros passos da empresa.
Sobre sua abordagem em comparação com as soluções de IA concorrentes no setor de saúde, ele explica: “A grande diferença é que nossa solução é pontual, enquanto outras são integrações verticais.” Segundo ele, muitas ferramentas disponíveis atualmente funcionam apenas como complementos aos sistemas existentes, exigindo que os usuários operem múltiplas interfaces, o que dificulta o uso e limita seu potencial.
“O que construímos foi uma integração profunda com o nosso próprio sistema de informação laboratorial – ou, como chamamos, sistema operacional de patologia –, o que significa que o usuário não precisa sequer mudar de interface. Basta se comunicar com a Elea, dizer o que observa e o que deseja executar, e a ferramenta realiza as ações dentro do sistema.”
Schröder ressalta ainda que “não é mais necessário ter uma quantidade absurda de engenheiros – com uma dúzia ou duas de profissionais realmente competentes já é suficiente. Hoje temos cerca de duas dezenas de engenheiros na equipe, capazes de realizar coisas incríveis.”
“As empresas que mais crescem hoje em dia não contam com centenas de engenheiros. Com um ou dois grupos de especialistas, elas conseguem desenvolver soluções surpreendentes. Essa é a nossa filosofia e, por isso, inicialmente, não precisamos levantar centenas de milhões.”
“Sem dúvida, é uma mudança de paradigma na forma de construir empresas.”
Escalando uma Mentalidade de Fluxo de Trabalho
A escolha estratégica de iniciar pelos laboratórios de patologia se deve não só ao mercado endereçável, que movimenta bilhões de dólares, mas também à natureza global desse segmento – composto por grandes companhias de análises e fornecedores que facilitam a escalabilidade do modelo de software como serviço, especialmente quando comparado ao setor hospitalar, mais fragmentado.
“Para nós, é super interessante pois é possível desenvolver uma aplicação única e escalá-la – da Alemanha para o Reino Unido, Estados Unidos, etc. Todos pensam e atuam de forma semelhante, com fluxos de trabalho padronizados. Se a solução funciona em alemão, graças aos modelos de linguagem atuais, ela também funcionará em inglês e em outras línguas, como o espanhol. Isso abre diversas oportunidades,” comenta Schröder.
Ele destaca os laboratórios de patologia como “uma das áreas de medicina que mais crescem”, apontando que avanços na ciência médica – como o aumento da patologia molecular e do sequenciamento do DNA – estão gerando uma demanda maior por análises cada vez mais variadas e frequentes. Esse cenário implica mais trabalho para os laboratórios e, consequentemente, uma pressão maior por produtividade.
Após aprimorar sua aplicação na área de patologia, a Elea poderá explorar outras áreas da saúde, como o apoio a médicos no registro das interações com pacientes. Contudo, qualquer nova aplicação da tecnologia manterá um foco rigoroso na otimização do fluxo de trabalho.
“Queremos introduzir essa mentalidade de fluxo de trabalho, em que tudo seja considerado uma tarefa a ser executada, sempre culminando em um relatório que precisa ser enviado,” explica. Em hospitais, por exemplo, o foco seria operacional, sem entrar na área diagnóstica.
A análise de imagens também é outra frente de interesse para futuras aplicações na área de saúde, como no agilizar da análise de dados em radiologia.
Desafios e Segurança
Um dos grandes desafios é a acurácia. Em um setor tão sensível quanto o da saúde, erros nas transcrições realizadas pela IA – como em uma biópsia que verifica a presença de tecido cancerígeno – podem ter consequências graves se houver discrepância entre o que o médico relata e o que a Elea interpreta e repassa para os responsáveis pelas decisões de cuidado.
Atualmente, Schröder explica que a acurácia é avaliada com base no número de caracteres que os usuários modificam nos relatórios gerados pela ferramenta. No momento, entre 5% a 10% dos casos requerem alguma intervenção manual para corrigir possíveis falhas, sendo que, em muitos desses casos, as alterações podem ser necessárias por outros motivos. O objetivo é “reduzir” o percentual de intervenções manuais.
Ele reforça que a responsabilidade final continua sendo dos médicos e demais colaboradores que revisam e aprovam os relatórios gerados pela IA. Segundo ele, o fluxo de trabalho da Elea não difere dos processos legados que almeja substituir, nos quais, por exemplo, uma nota de voz de um médico era transcrita por uma pessoa, sujeita a erros, enquanto agora “a criação inicial é feita pela Elea AI, e não por um digitador”.
O aumento na automação pode elevar o volume de produção, o que gera a pressão de que os profissionais humanos precisem revisar uma quantidade muito maior de dados e relatórios.
Para mitigar esses riscos, a Elea incorporou uma funcionalidade de “rede de segurança”, na qual a IA tenta identificar possíveis inconsistências, emitindo alertas e incentivando o médico a revisar a informação – uma espécie de “segundo par de olhos”. Nessa abordagem, o sistema compara os relatórios anteriores com o que está sendo informado no momento e fornece comentários e sugestões.
Outra preocupação refere-se à confidencialidade dos pacientes. O uso de uma IA que opera em nuvem pode levantar dúvidas sobre a segurança dos dados, já que as informações não permanecem armazenadas no local e sob o controle do laboratório. Para solucionar essa questão de “privacidade de dados”, Schröder afirma que a empresa utiliza a separação entre a identidade dos pacientes e os resultados diagnósticos, baseando-se na pseudonimização para atender às exigências de proteção de dados.
“Todo o processo é mantido de forma anônima – cada etapa executa uma única função, sendo que os dados são combinados somente no dispositivo onde o médico os visualiza”, explica. “Utilizamos IDs temporárias que são deletadas posteriormente, garantindo a segurança enquanto o médico analisa o paciente.”
Ele acrescenta: “Trabalhamos com servidores na Europa e asseguramos que todas as operações estejam em conformidade com as normas de privacidade de dados. Nosso principal cliente é uma rede hospitalar de capital público, classificada como infraestrutura crítica na Alemanha. Foi fundamental garantir a segurança dos dados, e eles nos aprovaram.”
Schröder conclui afirmando que “provavelmente superamos o necessário, mas é sempre melhor prevenir, especialmente quando se trata de dados médicos.”