De vez em quando, uma startup do Vale do Silício surge com uma missão tão “absurdamente” declarada que fica difícil saber se ela é real ou apenas sátira. Esse é o caso da Mechanize, uma empresa cujo fundador – e também da organização sem fins lucrativos de pesquisa em IA que ele criou, chamada Epoch – está recebendo críticas nas redes sociais após o anúncio feito por ele.

As críticas englobam tanto a missão da startup quanto a implicação de que ela macula a reputação de seu renomado instituto de pesquisa. Um diretor do instituto chegou até a comentar dizendo: “Que presente de aniversário: uma crise de comunicação.”

A Mechanize foi lançada na quinta-feira por meio de uma postagem em X pelo próprio renomado pesquisador de IA Tamay Besiroglu. Segundo Besiroglu, o objetivo da startup é “a automação completa de todo o trabalho” e “a automação completa da economia”.

Isso significa que a Mechanize pretende substituir cada trabalhador humano por um agente automatizado de IA? Essencialmente, sim. A ideia é fornecer os dados, as avaliações e os ambientes digitais necessários para que a automação do trabalho em qualquer função seja possível.

Besiroglu chegou a calcular o mercado total endereçável da Mechanize somando todos os salários atualmente pagos aos humanos. Ele afirmou que “o potencial de mercado aqui é absurdamente grande: nos Estados Unidos, os trabalhadores recebem, em conjunto, cerca de US$ 18 trilhões por ano. Para o mundo inteiro, esse número é mais de três vezes maior, por volta de US$ 60 trilhões por ano”.

Contudo, Besiroglu esclareceu que o foco imediato da startup está realmente no trabalho de colarinho branco – e não em funções manuais que exigiriam robótica.

A reação à startup foi, em muitos casos, bastante crítica. Alguns usuários do X demonstraram respeito pelo trabalho realizado no Epoch, mas lamentaram o anúncio, afirmando que a automação da maioria dos trabalhos humanos representa um enorme prêmio para as empresas – o que pode resultar em uma grande perda para a maioria dos indivíduos.

O ponto controverso não se resume apenas à missão da startup. O instituto de pesquisa em IA, Epoch, que analisa os impactos econômicos da IA e produz benchmarks de desempenho, era até então considerado uma forma imparcial de verificar as alegações de desempenho de modelos de fronteira. Essa não é a primeira vez que o Epoch se envolve em polêmica. Em dezembro, por exemplo, a organização revelou que recebeu apoio da OpenAI para a criação de um dos seus benchmarks – informação que muitos usuários acreditaram que deveria ter sido divulgada antecipadamente.

Quando Besiroglu anunciou a Mechanize, um usuário do X comentou: “Infelizmente, isso parece confirmar que a pesquisa do Epoch estava diretamente alimentando o desenvolvimento de capacidades de ponta, embora eu esperasse que isso não viesse diretamente de você”.

Besiroglu afirma que a Mechanize conta com o apoio de nomes como Nat Friedman, Daniel Gross, Patrick Collison, Dwarkesh Patel, Jeff Dean, Sholto Douglas e Marcus Abramovitch. Abramovitch, sócio-gerente de um fundo de hedge cripto e autodenominado “altruísta efetivo”, confirmou seu investimento, afirmando que “a equipe é excepcional em muitas dimensões e pensou de forma mais profunda sobre IA do que qualquer outra pessoa que eu conheço”.

Benefícios para os humanos também?

Mesmo diante das críticas, Besiroglu argumenta com os céticos que, ter agentes para realizar todo o trabalho, na verdade, enriquecerá os humanos – e não os empobrecerá – promovendo um “crescimento econômico explosivo”. Ele se apoia em um artigo que publicou sobre o tema, afirmando que “a automação completa do trabalho pode gerar uma abundância imensa, elevar os padrões de vida e criar novos bens e serviços que nem sequer conseguimos imaginar hoje”.

Essa visão pode ser válida para quem detém os agentes, ou seja, se os empregadores pagarem pelo serviço em vez de desenvolvê-los internamente – presumivelmente, através de outros agentes. Por outro lado, esse otimismo desconsidera um fato básico: se os humanos não tiverem emprego, não terão renda para consumir tudo o que os agentes produzem.

Besiroglu sugere que, mesmo em um mundo automatizado por IA, os salários humanos poderiam até aumentar, pois esses trabalhadores seriam “mais valiosos em funções complementares que a IA não consegue desempenhar”. Contudo, ele lembra que o objetivo é que os agentes realizem todo o trabalho. Diante disso, ele explica que, “mesmo em cenários onde os salários possam diminuir, o bem-estar econômico não é determinado unicamente pelos salários. As pessoas geralmente recebem renda de outras fontes – como aluguéis, dividendos e assistência governamental.”

Ou seja, talvez muitos de nós passem a depender de rendimentos provenientes de ações ou imóveis. E, na falta disso, sempre haveria a assistência social – desde que os agentes de IA estejam pagando impostos.

Embora a visão e a missão de Besiroglu sejam claramente extremas, o problema técnico que ele busca resolver é real. Se cada trabalhador humano tivesse uma equipe de agentes que o ajudasse a produzir mais, a abundância econômica poderia ser alcançada. E Besiroglu acertou em pelo menos um ponto: depois de um ano na era dos agentes de IA, eles ainda “não funcionam muito bem”. Ele aponta que eles são pouco confiáveis, não retêm informações, têm dificuldade em completar tarefas de maneira autônoma e “não conseguem executar planos de longo prazo sem se desviar do curso”.

No entanto, ele não é o único trabalhando em soluções para esses problemas. Grandes empresas como Salesforce e Microsoft estão desenvolvendo plataformas de agentes, e a OpenAI também está nessa corrida. Além disso, diversas startups especializadas em agentes surgem – desde aquelas focadas em tarefas específicas, como vendas externas e análise financeira, até outras que trabalham na área de dados de treinamento e na economia de precificação dos agentes.

Enquanto isso, Besiroglu deixa claro que a Mechanize está contratando.