O tratamento do Alzheimer pode estar na própria equipe de limpeza do cérebro: Aproveitando a microglia para eliminar placas
Há mais de três décadas, cientistas lutam para conter o Alzheimer removendo as placas de beta amiloide – aglomerados pegajosos de proteínas tóxicas que se acumulam no cérebro. Agora, um novo estudo do Northwestern Medicine apresenta uma alternativa promissora: potencializar as células imunes do cérebro para eliminar essas placas de forma mais eficaz. Os pesquisadores publicaram os resultados na Nature Medicine, abrindo caminho para tratamentos que, em vez de apenas remover as placas, exploram as defesas naturais do cérebro.
Tentativas anteriores, como a aplicação de vacinas contra o Alzheimer, fracassaram devido à resposta do sistema imunológico, que ocasionava um inchaço cerebral perigoso. Mesmo os tratamentos atuais aprovados pela FDA, baseados em anticorpos, continuam sendo controversos – oferecendo benefícios modestos, mas acompanhados de possíveis efeitos adversos e altos custos. “Acredito que todos concordamos que, embora esses medicamentos estejam se tornando mais eficazes, eles, em última instância, não curam os pacientes com Alzheimer”, afirmou David Gate, autor correspondente e professor assistente de neurologia na Northwestern University Feinberg School of Medicine, além de diretor do Abrams Research Center on Neurogenomics.
Gate explica: “Esses medicamentos estimulam as células imunes do cérebro a remover a beta amiloide, mas acreditamos que os dados apresentados em nossa publicação podem aprimorar ainda mais a eficácia desses tratamentos.”
O estudo foi pioneiro ao aplicar uma técnica inovadora chamada transcriptômica espacial em cérebros de pacientes com Alzheimer que fizeram parte de ensaios clínicos. Essa abordagem permite aos cientistas identificar a localização exata da atividade gênica dentro de uma amostra de tecido. Ao analisar cérebros doados por pessoas falecidas com Alzheimer – alguns tratados com imunização contra a beta amiloide e outros não – os pesquisadores constataram que, quando os tratamentos são eficazes, as células imunes do cérebro, conhecidas como microglia, não apenas removem as placas, mas também ajudam a restaurar um ambiente cerebral mais saudável.
No entanto, o estudo mostrou que nem todas as microglia têm a mesma capacidade: algumas são bastante eficazes na remoção das placas, enquanto outras apresentam dificuldades. Além disso, as microglia de cérebros tratados assumem estados distintos, variando de acordo com a região cerebral e o tipo de imunização utilizada. Genes específicos, como TREM2 e APOE, mostram-se mais ativos em resposta ao tratamento, auxiliando essas células a eliminar a beta amiloide.
Uma questão antiga sobre as terapias para o Alzheimer era se, uma vez estimuladas para remover a beta amiloide, essas células imunes permaneceriam constantemente nesse modo de remoção. Segundo Gate, os dados indicam que elas conseguem retornar a um estado normal e, surpreendentemente, parecem ajudar na recuperação do tecido cerebral. Essa reversibilidade é comparada a uma fileira de dominós: se as placas forem removidas antes de desencadearem a formação da patologia do tau – principal responsável pelo declínio cognitivo – a cascata de danos pode ser interrompida.
“A ideia é que, mesmo em pessoas que já apresentam Alzheimer, seja possível remover a beta amiloide, mas se a propagação do tau já estiver em curso, o desafio se torna muito maior. No entanto, se o tratamento ocorrer precocemente, antes da formação do tau, talvez seja possível evitar o efeito dominó”, explicou Gate.
Os autores do estudo analisaram um total de 25 cérebros: seis cérebros de controle sem doenças neurológicas, seis de pacientes com Alzheimer que não receberam tratamento de imunização e 13 de pacientes vacinados com beta amiloide. Desses 13, sete demonstraram altos níveis de remoção das placas, enquanto os outros seis apresentaram baixa eficácia. A comparação entre os grupos revelou que as diferenças na resposta dos pacientes estão associadas ao comportamento específico das células imunes e à expressão de certos fatores genéticos.
“Nosso estudo é especialmente inovador por termos tido a rara oportunidade de analisar um dos maiores conjuntos de cérebros pós-morte de pacientes com Alzheimer tratados com drogas direcionadas contra a amiloide – semelhantes às aprovadas pela FDA atualmente”, ressaltou Lynn van Olst, autora principal do estudo. “Isso nos permitiu investigar os mecanismos cerebrais que determinam por que alguns indivíduos respondem bem a esses tratamentos e conseguem eliminar a beta amiloide, enquanto outros não. Identificamos que as células imunes desempenham um papel crucial nesse processo e destacamos os fatores genéticos que impulsionam essas diferenças.”
Embora ainda não existam métodos para direcionar essas células imunes de maneira específica, os avanços na capacidade de segmentar alvos no cérebro melhoram a cada ano. Essa nova compreensão dos mecanismos moleculares nas microglia pode, futuramente, possibilitar o desenvolvimento de estratégias terapêuticas que explorem integralmente o potencial do próprio sistema imunológico cerebral para combater o Alzheimer.