Em abril de 2020, o fotógrafo indonésio Joshua Irwandi capturou uma das imagens mais comoventes e inquietantes que registraram os impactos da Covid-19. Em um período de grande incerteza, ele conseguiu registrar a cena de um corpo já envolto em materiais de proteção, conforme as diretrizes do Ministério da Saúde da Indonésia, destinadas à eliminação segura dos falecidos.

A Covid-19 foi confirmada pela primeira vez na Indonésia em 2 de março de 2020 – uma instrutora de dança e sua mãe testaram positivo após contato com alguém infectado. Embora o vasto arquipélago indonésio seja composto por milhares de ilhas, foi em pouco mais de um mês que a doença se espalhou para todas as 34 províncias, incluindo a extremamente populosa ilha de Java, lar de mais de 151 milhões de pessoas. À medida que a pandemia avançava, Java – e sua capital, Jakarta – se transformaram em verdadeiros epicentros da propagação do vírus.

Os profissionais de saúde indonésios enfrentaram esta nova ameaça com recursos extremamente limitados. Estima-se que, até julho de 2021, mais de 1.500 trabalhadores da saúde no país tenham perdido a vida devido à Covid-19, enquanto enfermeiros relataram, logo no início da pandemia, a escassez de equipamentos de proteção individual (EPI), que eram vitais para enfrentar o crescente número de casos.

Dentro desse cenário de desafio e risco, o trabalho de Irwandi ganhou contornos de urgência. Vestindo um traje de proteção, similar ao dos profissionais de saúde que o acompanhava, o fotógrafo passou seus dias dentro de um hospital em Jakarta, observando de perto os esforços para salvar vidas. Nem sempre os desfechos eram positivos: em uma ocasião, ele registrou um paciente que havia falecido, cujo nome jamais foi divulgado.

Após a morte do paciente, a equipe médica iniciou o procedimento de proteção e contenção, começando com o envolvimento do corpo em sacos de lixo para resíduos infectantes, seguido por uma camada extra de plástico – o mesmo tipo vendido em supermercados. Segundo Irwandi, “acho que levou por volta de uma hora exaustiva sob o calor. Acreditavam que desligar o ar condicionado poderia ajudar a eliminar o vírus, e assim trabalhavam com máscaras pesadas em um ambiente sufocante.”

A fotografia, que por um instante congelou a ação frenética dos hospitais durante a crise, apresenta a superfície plástica refletindo as luzes frias do teto, enquanto os materiais de proteção que cobriam o corpo lembram uma antiga prática ritualística de um funeral. Essa cena impactante contrasta com o ambiente moderno e impessoal de um quarto de hospital, composto apenas por uma cama e uma televisão, ressaltando a vulnerabilidade humana em meio a uma era altamente tecnológica e, por vezes, esterilizada.

“Durante todo o período em que estive trabalhando aqui na Indonésia com meu mentor, Geert Van Castelren, fotógrafo holandês, eu mostrava a ele as imagens que vinha produzindo e perguntava: ‘para onde você acha que isso vai?’ Se a composição se assemelha a algo dos clássicos, geralmente o impacto da fotografia é ainda maior”, recorda Irwandi.

A imagem provocou diversas reações. Alguns chegaram a acusá-la de ser encenada – um cantor com dois milhões de seguidores chegou a sustentar que se tratava de um cenário artificial, alegando que a Covid-19 não apresentava perigo real e que o corpo era, na verdade, um manequim. Apesar da onda de desinformação, o registro permaneceu inegavelmente impactante.

Optando por fotografar o corpo na mesma altura, ao invés da visão aérea mais comum de médicos e enfermeiros, Irwandi colocou tanto o observador quanto o sujeito em pé de igualdade. “Naquele momento em que capturei a cena do corpo sendo envolvido em plástico, pensei: ‘E se for minha família? E se forem meus amigos?’. O melhor que podemos fazer é informar quem amamos sobre o que está acontecendo e cuidar de nós mesmos”, afirma o fotógrafo.

Para ele, a principal mensagem transmitida pela imagem é clara: “se você não usar sua máscara ou rejeitar a ciência, este pode ser o caminho que muitas pessoas terão que enfrentar.”

O poder desta fotografia ultrapassou as fronteiras da Indonésia, sendo premiada com o segundo lugar na categoria de notícias gerais do World Press Photo em 2021 e também recebendo indicação para o Prêmio Pulitzer.

Um ano depois, enquanto Irwandi cobrisse os enterros coletivos de vítimas da Covid-19 em um cemitério, a cena ganhava ainda mais significado. Ele visitou o local duas vezes em uma semana, constatando que novas sepulturas já haviam sido escavadas para acomodar as vítimas. “O perigo é real, independentemente de as pessoas gostarem ou não da fotografia”, conclui.