Em 12 de junho, Alexandr Wang deixou o cargo de CEO da Scale para buscar seu projeto mais ambicioso: desenvolver uma inteligência artificial mais avançada que a humana, aos comandos da nova divisão de “superinteligência” da Meta. Nesta transição, a Meta investirá US$ 14,3 bilhões para adquirir uma participação minoritária na Scale AI, mas o verdadeiro destaque é o próprio Wang.
Wang, de 28 anos, deve injetar senso de urgência nos esforços de IA da Meta, que este ano foram marcados por atrasos e desempenhos aquém do esperado. Embora tenha se tornado uma referência na IA, liderando a Scale – que o tornou o bilionário autodidata mais jovem do mundo aos 24 anos –, o ex-CEO não é desprovido de críticas. Seu estilo focado na atenção aos detalhes e na busca incessante pelo crescimento rendeu admiradores, como o CEO da OpenAI, mas também trouxe desafios, como episódios de atrasos e cortes nos pagamentos para os mais de 240 mil trabalhadores terceirizados da empresa.
No decorrer de sua trajetória, Wang enfatizou que a ambição molda a realidade, posicionando a Scale como pioneira ao tratar os dados como “problema de primeira classe”. Entretanto, essa postura contrastava com o tratamento dado aos trabalhadores que dependiam desses dados, o que se tornou um ponto de atrito, de acordo com cofundadora Lucy Guo, que deixou a empresa em 2018 devido a divergências em relação à priorização do crescimento em detrimento de uma cultura de pagamentos pontuais.
O desenvolvimento de uma inteligência artificial superinteligente, segundo Wang, “representaria o mais arriscado avanço tecnológico desde a bomba nuclear”. Essa visão foi compartilhada em um documento de política que ele coautorizou em março, ao lado de figuras como Eric Schmidt, ex-CEO do Google, e Dan Hendrycks, diretor do Center of AI Safety. Agora, em sua nova posição na Meta, Wang passa a ser um dos principais tomadores de decisão sobre essa tecnologia, onde não há margem para erros.
Seu estilo de liderança tem sido descrito como muito detalhista. Por exemplo, chegou a fazer chamadas individuais com cada novo funcionário, mesmo com uma equipe de centenas de colaboradores. Como sua visão de liderança evoluiu conforme a Scale cresceu?
“Liderança é uma disciplina multifacetada. No primeiro nível, é necessário executar as tarefas imediatas; no segundo, questionar se essas tarefas são as corretas e apontar a direção adequada; e no terceiro, que considero o mais importante, definir a cultura da organização – como criar um ambiente onde as pessoas possam desempenhar seu melhor trabalho, aprendendo e evoluindo continuamente. Quando se persegue uma missão grandiosa, a capacidade de realizar feitos extraordinários se torna possível.”
Desde uma viagem à China, em 2018, você tem sido enfático quanto à ameaça representada pelas ambições da China na área de IA. Agora, especialmente após a ascensão da DeepSeek, essa visão se torna ainda mais presente em Washington. Há outras ideias sobre o desenvolvimento da IA que hoje possam parecer radicais, mas que se tornem comuns em cinco anos?
“Imagino um mundo agentivo – em que empresas e governos transferem cada vez mais de suas atividades econômicas para agentes automatizados, enquanto os humanos assumem funções de supervisão. Esse futuro força uma transição que, para minimizar os impactos, exigirá a construção de novas infraestruturas e a adoção de políticas fundamentais. Embora soe assustador à primeira vista, acredito que há inúmeros ajustes necessários para que essa mudança ocorra de forma suave.”
Como você avalia o preparo e o grau de seriedade com que o governo dos EUA encara a possibilidade de uma ‘AGI’ (inteligência artificial geral)?
“A temática da IA está bastante presente na agenda da atual administração. Estão sendo discutidas questões como a velocidade dos avanços e os prazos para que se alcance o que muitos chamam de AGI – se em um prazo mais rápido ou mais demorado – e, em caso de progressos acelerados, quais medidas implementar para mitigar riscos. Por exemplo, no discurso do vice-presidente JD Vance durante a cúpula sobre ação em IA realizada em Paris, ficou claro que o foco é garantir que a IA beneficie, sobretudo, o trabalhador americano. Com o ritmo frenético do setor, é inevitável que medidas sejam tomadas à medida que os avanços se aceleram.”
Uma função que parece estar prestes a sofrer uma disrupção é a própria anotação de dados. Já vimos modelos internos de IA sendo usados para legendagem de conjuntos de dados e, paralelamente, modelos de raciocínio são treinados com dados sintéticos em desafios específicos. Você enxerga esses avanços como uma ameaça para o negócio de anotação de dados da Scale AI?
“Vejo o oposto – o crescimento do trabalho relacionado à contribuição em conjuntos de dados para IA (a quem chamamos de ‘contribuidores’) tem sido exponencial ao longo do tempo. Há muitas discussões sobre a possibilidade de, com o aprimoramento dos modelos, o trabalho ser dispensado. Na realidade, a demanda por anotação cresce a cada ano. Com a evolução para uma economia agentiva, mais pessoas provavelmente se dedicarão a atividades relacionadas à criação e validação de dados para IA, ampliando ainda mais esse setor.”
Por que não conseguimos automatizar o trabalho de anotação de dados?
“Automatizar o trabalho de anotação é, em essência, uma tautologia. O propósito desse trabalho é melhorar os modelos. Se esses modelos fossem capazes de aperfeiçoar as áreas para as quais geram dados, não seria necessário realizar essa anotação. Portanto, as demandas por dados de IA estão diretamente ligadas às deficiências dos modelos atuais. Por mais inteligentes que pareçam, na prática, quando se tenta implementar fluxos de trabalho essenciais, essas deficiências se tornam evidentes e mantêm a necessidade de um trabalho contínuo na anotação de dados.”
A Scale tem se posicionado tanto como uma empresa de tecnologia quanto de dados. Como vocês conseguiram se destacar da concorrência?
“O progresso da IA depende, fundamentalmente, de três pilares: dados, capacidade computacional e algoritmos. Ficou claro que os dados representavam um dos principais gargalos da indústria. Antes da Scale, poucas empresas tratavam os dados com a importância que eles merecem. Nós adotamos uma abordagem que busca entender como resolver o problema da forma mais tecnológica e adequada possível. Ao estruturar esses três pilares, conseguimos construir aplicações que potencializam os dados e os algoritmos, ajudando empresas e governos a desenvolver e implantar soluções de IA a partir de um vasto universo de informações. Esse diferencial é o que nos distingue no mercado.”