Publicadores Adotam IA para Fortalecer a Integridade da Pesquisa

A indústria de publicações acadêmicas, avaliada em US$ 19 bilhões, está recorrendo cada vez mais a ferramentas movidas a inteligência artificial (IA) para aprimorar a qualidade da pesquisa revisada por pares e agilizar o processo de produção – um objetivo que traz um “óbvio benefício financeiro” para os editores, segundo especialistas.

A escassez de revisores qualificados sempre retardou o ritmo de publicações acadêmicas. A pressão para “publicar ou perecer” é intensa para os docentes que, além de suas atribuições em sala de aula, são cobrados tanto para publicar quanto para revisar pesquisas, geralmente sem receber compensação financeira além do prestígio de ver seus trabalhos publicados em periódicos de alto nível.

Esse ambiente tem levado alguns pesquisadores a argumentarem que os incentivos atuais podem estimular a submissão de trabalhos questionáveis para revistas – evidenciado pelo acúmulo de revisões pendentes e pela escassez de recursos para detectar informações falhas e irregularidades acadêmicas. Em 2024, mais de 4.600 artigos foram retractados ou passaram por sinalizações para revisão, conforme aponta o banco de dados Retraction Watch; bastam, por exemplo, os mais de 200 artigos retratados por uma revista da Springer Nature durante seis semanas no outono passado.

No entanto, para acelerar a produção e, ao mesmo tempo, aprimorar a qualidade das pesquisas, editoras como Wiley, Elsevier e Springer Nature têm investido em ferramentas de IA generativa ou em diretrizes de uso da tecnologia. Desde o início do ano, todas anunciaram soluções – algumas voltadas para auxiliar cientistas na pesquisa, redação e revisão por pares.

Josh Jarrett, vice-presidente sênior de crescimento em IA na Wiley, comentou: “Essas ferramentas de IA podem ajudar a melhorar a integridade da pesquisa, a qualidade, a citação correta, nossa capacidade de encontrar novos insights e conectar ideias – impulsionando, assim, o avanço da atividade humana. Por outro lado, elas também podem ser usadas para gerar conteúdo e, potencialmente, aumentar os riscos à integridade da pesquisa. Por isso, investimos tanto no uso dessas tecnologias para identificar padrões e detectar pontos que um revisor isolado pode não perceber.”

Uma pesquisa recente da Wiley revelou que, embora a maioria dos pesquisadores acredite que as habilidades em IA serão essenciais em dois anos, mais de 60% afirmam que a falta de diretrizes e treinamento os impede de integrar essas ferramentas em seu trabalho. Em resposta a essa necessidade, a Wiley divulgou novas diretrizes sobre os usos “responsáveis e eficazes” da IA, visando tornar o processo de publicação mais eficiente sem comprometer a voz autêntica dos autores, a confiabilidade do conteúdo, bem como a propriedade intelectual e a privacidade – sempre alinhado às melhores práticas éticas e de integridade.

Na semana passada, a Elsevier também lançou o ScienceDirect AI, uma ferramenta que extrai os principais achados de milhões de artigos revisados por pares e livros disponíveis no ScienceDirect, gerando “resumos precisos” para ajudar os pesquisadores a lidar com a sobrecarga de informações, a falta de tempo e a necessidade de formas mais eficazes de aprimorar o conhecimento existente.

Essas iniciativas seguiram o lançamento, em janeiro, pelo Springer Nature de um programa interno movido a IA, que auxilia editores e revisores por meio da automação de verificações de qualidade editorial e alerta sobre manuscritos potencialmente inadequados. Harsh Jegadeesan, diretor de publicações da Springer, afirmou: “À medida que o volume de pesquisas aumenta, estamos entusiasmados em descobrir como utilizar a IA para apoiar nossos autores, editores e revisores, simplificando seus processos sem sacrificar a qualidade. Ao introduzir, de forma cuidadosa, novas maneiras de verificar os trabalhos e reforçar a integridade da pesquisa, podemos acelerar as tarefas rotineiras dos pesquisadores, permitindo que se concentrem no que realmente importa – a realização da pesquisa.”

Benefícios e Desafios da Automação

Especialistas em publicações acadêmicas apontam que a utilização de IA na revisão por pares pode trazer vantagens significativas, porém também apresenta desafios. Se os assistentes de IA se tornarem padrão para os revisores, “o problema do volume poderia ser solucionado de imediato, gerando benefícios financeiros evidentes para o setor”, conforme destaca Sven Fund, diretor da rede de especialistas Reviewer Credits.

Entretanto, as implicações da IA na qualidade da pesquisa são mais complexas. Com a crescente polarização ideológica, a pesquisa científica tem se tornado alvo de intervenções políticas, e modelos de IA podem ser utilizados para filtrar ou censurar pesquisas que desagradem certos legisladores. Sven Fund ressalta: “Existem tarefas na revisão por pares – como traduções, verificação de referências e feedback mais detalhado – em que uma máquina pode superar o desempenho humano. Minha preocupação é que a liberdade dos pesquisadores seja limitada pela intervenção de agentes técnicos, o que pode configurar uma forma de censura.”

Aashi Chaturvedi, responsável pelo programa de ética e integridade na American Society for Microbiology, também expressou suas reservas. Em seu artigo, ela destacou que, apesar da eficiência que a automação pode proporcionar, “ela não consegue replicar a arte e a intuição que vêm de anos de prática dedicada”. Para Chaturvedi, um dos maiores desafios é manter a supervisão humana na revisão por pares. Ela compartilhou que, no período pré-IA, sentia extra pressão para assegurar que os relatórios dos autores fossem factíveis e que, apesar dos benefícios do uso de IA para aliviar a carga dos revisores e editores, sua implementação deve ser feita de forma transparente e somente após testes rigorosos. Segundo ela, “os grandes modelos de linguagem são tão bons quanto as informações fornecidas a eles”.

Por fim, Ivan Oransky, pesquisador médico e cofundador do Retraction Watch, reconheceu que “tudo que possa ser feito para filtrar as informações de baixa qualidade da literatura científica é positivo”, mas questionou a eficácia da IA nesse papel. Segundo ele, a adoção de ferramentas de IA para enfrentar problemas históricos da revisão por pares revela que os sistemas atuais não estão totalmente preparados para garantir a qualidade dos trabalhos. Oransky concluiu que “isso serve como evidência de que o sistema de revisão por pares está sendo sobrecarregado, impulsionado por incentivos insustentáveis do modelo de ‘publique ou pereça’”.