Coleta de dívidas em mercados emergentes

A cobrança de dívidas em mercados emergentes frequentemente parece ultrapassada e pode ser onerosa, afetando a confiança dos tomadores. Com o aumento do crédito ao consumidor e a pressão de reguladores por práticas mais justas, métodos tradicionais de cobrança têm dificuldade de acompanhar as demandas atuais.

A ClearGrid busca modernizar a recuperação de dívidas com o uso de inteligência artificial. A startup, sediada em Dubai e que acaba de sair do modo discreto, levantou US$ 10 milhões (US$ 3,5 milhões em pré-seed e US$ 6,5 milhões seed) para ajudar bancos, fintechs e instituições financeiras a recuperar créditos sem recorrer a práticas abusivas.

Para uma empresa fundada em maio de 2023, esse aporte é significativo. O cofundador e CEO Mohammed Al Zaben destacou essa vantagem como essencial para “uma empresa muito ambiciosa com uma grande missão em um mercado imenso”.

Desenvolvendo a cobrança de dívidas com IA

Al Zaben se envolveu no setor de cobrança ao vender sua startup anterior, Munch:On, para a Careem em 2022. Durante um período de pausa após essa saída, ele refletiu sobre um dos maiores desafios enfrentados pelo Munch:On – a cobrança de pagamentos de clientes corporativos. Essa experiência o levou a se aprofundar na gestão de recebíveis e na resolução de faturas não pagas, concluindo que a cobrança de dívidas para consumidores representava um desafio ainda maior.

Ao conversar com profissionais da área, ficou evidente que o setor operava de maneira arcaica – algumas agências ainda usavam métodos tradicionais, como papel e caneta, enquanto as mais avançadas dependiam de sistemas de CRM básicos. A cobrança de dívidas era um processo altamente dependente do fator humano, recorrendo a táticas de intimidação que proporcionavam experiências negativas aos tomadores. Reguladores na Arábia Saudita e nos Emirados Árabes Unidos já começaram a priorizar a proteção do consumidor.

Paralelamente, o crédito ao consumidor crescia rapidamente. Empresas do modelo “compre agora, pague depois” (BNPL), como Tabby e Tamara, registravam bilhões em vendas, enquanto o volume de empréstimos sem garantia disparava no Oriente Médio.

Reconhecendo a oportunidade, Al Zaben e seus cofundadores, Khalid Bin Bader Al Saud e Mohammed Khalili, lançaram a ClearGrid. A empresa desenvolveu soluções de software e inteligência artificial para otimizar a recuperação de dívidas, integrando-se aos provedores já estabelecidos no mercado.

“Em um momento em que o crédito está em alta, as regulamentações se tornam mais rigorosas e a IA está redesenhando indústrias, enxergamos uma oportunidade para ajudar os credores a recuperar dívidas e, ao mesmo tempo, restaurar a confiança dos consumidores”, afirmou o CEO. “Este é apenas o primeiro passo para construir a infraestrutura que definirá o futuro da resolução de dívidas”, completou Bader Al Saud.

Componentes automatizados de cobrança

A ClearGrid atua como intermediária entre credores e tomadores, utilizando a IA para automatizar o processo de cobrança. As instituições financeiras se conectam à plataforma ou à API da ClearGrid, que então processa as contas dos clientes.

Os modelos de IA da empresa avaliam a probabilidade de quitação, ajudam a prever o comportamento dos clientes e personalizam a comunicação através de múltiplos canais. Segundo Al Zaben, 95% das operações são totalmente automatizadas – inclusive por meio de agentes de voz que realizam centenas de milhares de chamadas diariamente. Para os clientes que preferem a interação humana, a plataforma possibilita conversas diretas, integrando os insights obtidos aos diversos modelos da startup.

ClearGrid team 1

A plataforma classifica os tomadores de acordo com sua capacidade e disposição de pagamento, organizando os reembolsos em parcelas menores e acessíveis, incentivando a quitação sem coerção. A empresa afirma que essa solução pode reduzir os custos de cobrança em até 50%.

“Estamos desenvolvendo ferramentas específicas para potencializar o desempenho dos credores, ao mesmo tempo em que oferecemos aos consumidores a chance de se livrarem do peso da dívida”, destacou Al Zaben.

Desde seu lançamento em 2024, a ClearGrid já gerenciou portfólios de dívidas que somam centenas de milhões e firmou parcerias com dez dos principais bancos e fintechs dos Emirados. Uma importante instituição financeira, que prefere manter o anonimato, registrou um aumento de 30% nas taxas de recuperação e a redução dos custos de cobrança pela metade. Além disso, um dos principais provedores do modelo BNPL dobrou suas recuperações ao automatizar as etapas iniciais da resolução de dívidas.

Em geral, Al Zaben comenta que a ClearGrid resolve dívidas duas vezes mais rápido do que as agências tradicionais, com taxas de resolução variando entre 38% e 50%, e que a interação dos tomadores com a plataforma é 60% maior. O modelo de negócio da empresa é baseado na cobrança de uma taxa percentual sobre os valores recuperados. As receitas têm crescido 30% mês a mês nos Emirados, onde a startup já é lucrativa, e há planos para expandir para a Arábia Saudita ainda este ano.

Com o financiamento garantido, a ClearGrid pretende multiplicar por 10 a receita e a quantidade de contas gerenciadas em 2024. Atualmente, a plataforma interage com mais de 130 mil contas de clientes mensalmente, e a empresa planeja dobrar o seu time de engenharia no próximo trimestre fiscal, visando construir o que Al Zaben descreve como “a infraestrutura definitiva de orquestração de crédito para a região”.

Entre os investidores da ClearGrid estão fundos de capital de risco focados no Oriente Médio e Norte da África, como Beco Capital, Nuwa Capital e Raed Ventures, além de renomados investidores-anjo, incluindo Anu Hariharan, Amjad Masad, Jason Gardner, Justin Kan e Kenneth Lin.