A experimentação em inteligência artificial dentro das empresas tem avançado rapidamente, mas nem sempre sem atritos. A porcentagem de organizações que descartaram a maioria de suas iniciativas de IA saltou de 17% em 2024 para 42% até agora, e em média, 46% das provas de conceito foram abandonadas antes mesmo de serem implementadas.
Após mais de dois anos de desenvolvimento acelerado na área, alguns líderes empresariais—frente a repetidas falhas em seus projetos de IA—começam a sentir uma ponta de cansaço. Esse desgaste também se reflete entre os colaboradores, que, ao utilizar a tecnologia com frequência, apresentam níveis elevados de burnout em comparação com aqueles que a utilizam esporadicamente ou nunca a utilizam.
Falha e pressão impulsionam a “fadiga da IA”
Ao apoiar clientes na implementação de IA, Erik Brown, líder de tecnologias emergentes em uma consultoria, observou uma tendência marcante: a “fadiga da IA”. Muitos projetos de prova de conceito não alcançam resultados tangíveis, e essa dificuldade estaria ligada à escolha inadequada de casos de uso ou à incompreensão dos diferentes subgrupos de inteligência artificial. Por exemplo, recorrer a modelos de linguagem de grande porte somente por estarem em alta, quando outras abordagens, como o machine learning, poderiam ser mais apropriadas. Além disso, a constante evolução e a complexidade do campo criam um ambiente propício a esse desgaste.
Em certos casos, a empolgação com as possibilidades da IA leva as empresas a fazerem grandes apostas sem a devida reflexão. Brown relata o caso de uma organização global que reuniu seus melhores cientistas de dados em um “laboratório de inovação” para descobrir como a IA poderia impulsionar seus produtos. Apesar de desenvolverem tecnologias baseadas em IA bastante interessantes, a solução não agradava o núcleo do negócio, gerando frustração por esforço, tempo e recursos desperdiçados.
“É muito fácil, com qualquer tecnologia nova – especialmente com a atenção em torno da IA – focar primeiro na técnica, o que pode levar à fadiga e às falhas iniciais”, ressalta Brown.
Persistência e aprendizado na superação dos desafios
Eoin Hinchy, cofundador e CEO de uma empresa de automação de processos, contou que sua equipe enfrentou cerca de 70 falhas em uma iniciativa de IA durante um ano, antes de finalmente chegar a uma solução bem-sucedida. O grande desafio técnico foi garantir que o ambiente criado para os clientes permitisse implantar modelos de linguagem de forma segura e privada, exigindo precisão absoluta.
Além dos desafios técnicos, partes da organização também sentiram o desgaste causado pelas oscilações do projeto. A equipe de comercialização, por exemplo, teve dificuldade para se posicionar num ambiente competitivo, enquanto aguardava que o produto finalizado fosse entregue. Segundo Hinchy, alinhar os departamentos de produto e vendas se mostrou uma das maiores dificuldades do projeto.
“Houve momentos em que achamos que tínhamos a solução, só para perceber que era preciso retornar ao ponto de partida”, lembra Hinchy.
Deixe as equipes funcionais assumirem o comando
Na Netskope, o diretor de segurança da informação, James Robinson, relatou ter enfrentado decepções com ferramentas e investimentos que não corresponderam às expectativas técnicas. Enquanto os engenheiros mantinham a motivação pelo desafio de construir e experimentar, a equipe de governança sentia o peso da pressão, precisando constantemente aprovar novas iniciativas e ferramentas de IA.
A solução encontrada foi adotar um processo mais descentralizado. A empresa passou a solicitar que unidades de negócio específicas assumissem as etapas iniciais de governança, definindo claramente o que precisava ser realizado antes que a proposta fosse submetida à equipe central de governança de IA.
“Estamos explorando formas de repassar essa responsabilidade para áreas como marketing ou equipes de produtividade de engenharia, que costumam estar mais engajadas nessa primeira análise. Assim, a equipe de governança pode se concentrar em realizar questionamentos mais aprofundados e garantir que toda a documentação esteja correta”, explica Robinson.
Essa abordagem lembrou a estratégia sugerida por Brown para ajudar um cliente a se recuperar de um projeto fracassado em seu laboratório de inovação. Após identificar desafios-chave juntamente com as unidades de negócio, a consultoria formou equipes menores com participação contínua dos departamentos relevantes. Em cerca de um mês, foi desenvolvido um protótipo que demonstrava como a IA poderia resolver um problema específico; e, pouco tempo depois, a primeira versão da solução foi implantada.
No geral, o conselho para prevenir e superar a fadiga de IA é começar pequeno. “Duas atitudes podem ser contraproducentes: sucumbir ao medo e não agir, permitindo que os concorrentes avancem, ou tentar assumir projetos muito amplos sem foco, o que também pode ser sobrecarregador”, afirma Brown. “Por isso, dê um passo atrás, analise cuidadosamente quais cenários se prestam à experimentação com IA, forme equipes menores dentro das áreas funcionais e avance em etapas, sempre com a orientação adequada.”
Depois de tudo, o objetivo da inteligência artificial é ajudar a trabalhar de forma mais inteligente – e não simplesmente mais arduamente.