A fadiga de IA está se instalando enquanto as provas de conceito falham
A experimentação com inteligência artificial dentro das empresas tem avançado rapidamente, mas nem sempre sem obstáculos. A proporção de empresas que descartou a maioria de suas iniciativas de IA saltou de 17% em 2024 para 42% até o momento neste ano, de acordo com uma análise da S&P Global Market Intelligence baseada em uma pesquisa com mais de 1.000 entrevistados. Em média, as organizações abandonaram 46% de suas provas de conceito de IA em vez de implantá-las.
Após mais de dois anos de desenvolvimento acelerado em IA e com a pressão crescente por resultados, líderes empresariais que enfrentam falhas repetidas em seus projetos estão começando a sentir um cansaço significativo. Essa “fadiga de IA” também é percebida pelos funcionários: um estudo da Quantum Workplace revelou que colaboradores que se consideram usuários frequentes de IA relatam níveis de esgotamento mais elevados (45%) quando comparados aos que fazem uso esporádico (38%) ou nunca utilizam a tecnologia (35%).
Falha e pressão impulsionam a “fadiga de IA”
Ao apoiar clientes na implementação de projetos de IA, Erik Brown, responsável por tecnologia emergente em uma importante consultoria, observou que muitos se mostram cada vez mais frustrados com as provas de conceito que não entregam resultados tangíveis. Segundo ele, muitas falhas acontecem porque as empresas acabam explorando casos de uso inadequados ou entendendo mal as diferentes vertentes da inteligência artificial – por exemplo, adotam modelos de linguagem grandes (LLMs) simplesmente por estarem na moda, quando técnicas de machine learning ou outras abordagens poderiam ser mais eficazes.
Em outros casos, a pressão e até o entusiasmo exagerado sobre as possibilidades da IA levam as empresas a darem passos largos sem o devido planejamento. Brown relata o caso de um grande conglomerado global, que reuniu uma dúzia de seus principais cientistas de dados em um “grupo de inovação” com a missão de descobrir como a IA poderia impulsionar seus produtos. Embora tenham desenvolvido tecnologias sofisticadas, a dificuldade em alcançar uma adoção efetiva – por não resolverem os problemas essenciais do negócio – gerou frustração por conta do tempo, esforço e recursos desperdiçados.
“É muito fácil, com qualquer nova tecnologia – especialmente uma como a IA, que está em evidência – começar focando primeiro na tecnologia. E é justamente daí que vem boa parte dessa fadiga e das falhas iniciais”, comentou Brown.
Eoin Hinchy, cofundador e CEO da empresa de automação de fluxo de trabalho Tines, contou que sua equipe passou por 70 falhas durante uma iniciativa de IA ao longo de um ano, até que enfim encontraram uma iteração bem-sucedida. O maior desafio técnico foi garantir que o ambiente para a implantação dos LLMs para os clientes fosse suficientemente seguro e privado. “Houve momentos em que pensamos ter encontrado a solução, aquela funcionalidade revolucionária – apenas para perceber que precisávamos voltar à prancheta”, afirmou Hinchy.
Além da equipe responsável pelas soluções técnicas, outras áreas da organização também sofreram com os altos e baixos do projeto. Em especial, a equipe de go-to-market teve dificuldades para atuar em um ambiente de vendas competitivo, onde outros fornecedores lançavam ofertas semelhantes. A falta de sinergia entre os times de produto e vendas foi apontada como um dos maiores desafios organizacionais, exigindo diálogos e reforços constantes para que os envolvidos continuassem motivados.
Permitir que as equipes funcionais assumam o controle
Na empresa de segurança cibernética Netskope, o diretor de segurança da informação, James Robinson, relata que já enfrentou diversas decepções com ferramentas que não entregavam os resultados técnicos esperados e com investimentos que não se concretizavam após altas expectativas. Enquanto ele e seus engenheiros permanecem motivados pelo desejo intrínseco de inovar, a equipe de governança tem se mostrado sobrecarregada, tentando aprovar novos projetos e a mais recente ferramenta de IA que alguma área deseja adotar.
Para resolver essa situação, a solução encontrada foi reestruturar os processos internos. A empresa passou a delegar as etapas iniciais de governança a unidades de negócio específicas, estabelecendo critérios claros do que deve ser feito antes que o projeto seja levado ao comitê de governança de IA.
“Estamos explorando maneiras de transferir essa responsabilidade para as unidades de negócio – por exemplo, as equipes de marketing ou de produtividade em engenharia, que estão mais interessadas e motivadas para avaliar as propostas. Assim, elas realizam a primeira análise e, quando o projeto chega à equipe de governança, resta apenas realizar uma avaliação mais aprofundada e garantir que a documentação esteja em ordem”, explica Robinson.
Essa abordagem é semelhante à estratégia sugerida por Brown a um cliente que estava enfrentando dificuldades com seu “laboratório de inovação”. A dica foi voltar às unidades de negócio para identificar desafios relevantes e, em seguida, formar equipes menores com representantes dessas áreas para desenvolver um protótipo. Em cerca de um mês, foi possível demonstrar que a IA poderia solucionar um problema específico. Apenas um mês e meio depois, a primeira versão da solução foi lançada.
No geral, a recomendação para prevenir e superar a fadiga de IA é começar pequeno. “Duas atitudes costumam ser contraproducentes: ou ceder ao medo e não fazer nada, permitindo que os concorrentes avancem, ou tentar fazer demais de uma vez e perder o foco na experimentação. O ideal é dar um passo atrás, refletir sobre em quais cenários a IA pode ser aplicada, dividir as equipes de forma funcional e trabalhar em pequenas etapas com a devida orientação”, conclui Brown. Afinal, o propósito da IA é ajudar a trabalhar de forma mais inteligente, não necessariamente com mais intensidade.